No último mês de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a licença-maternidade para mães não gestantes nos casos de união estável homoafetiva. A decisão foi um passo importante, que abriu precedentes para aprovações futuras, mas para milhares de brasileiras continua a luta por direitos iguais e a promoção de políticas inclusivas para superar as lacunas existentes na legislação e na prática.
Apesar das proteções legais, casais lésbicos podem enfrentar barreiras sociais e administrativas que dificultam o exercício pleno de seus direitos. É recomendável, por exemplo, que busquem orientação jurídica ao optar por inseminação caseira ou quando enfrentam problemas no registro de parentalidade.
Para entender melhor como funciona a dupla maternidade no Brasil, veja alguns esclarecimentos para os principais pontos:
Abordagens da dupla maternidade
A dupla maternidade no Brasil pode ser configurada por meio de diferentes abordagens. Entre as principais estão:
• Reprodução Assistida: inclui técnicas como inseminação artificial e Fertilização in Vitro (FIV). A Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamenta esses procedimentos, permitindo acesso a todas as mulheres, independentemente do estado civil ou orientação sexual.
• Adoção: casais lésbicos podem adotar conjuntamente, permitindo que ambas as mulheres se tornem legalmente mães da criança adotada.
• Inseminação caseira: uma opção menos formal e sem regulamentação específica, mas utilizada por casais que encontram barreiras econômicas nos métodos clínicos. Legalmente, essa prática reside em um limbo, onde a mãe não gestante muitas vezes precisa recorrer ao Judiciário para ter seus direitos parentais reconhecidos.
• Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoides (ICSI): é uma variação da FIV onde um único espermatozoide (de doador) é injetado diretamente em um óvulo.
• Transferência de Embriões Congelados (TEC): a técnica envolve congelar e armazenar embriões durante um ciclo de FIV e transferi-los para o útero em um ciclo subsequente. Isso pode ser benéfico para permitir múltiplas tentativas de gravidez a partir de um único ciclo de estimulação ovariana.
• Doação de óvulos: mulheres que não podem usar seus próprios óvulos por razões de idade, doença genética ou baixa reserva ovariana pode recorrer à doação de óvulos. Os óvulos doados são fertilizados com espermatozoides de um doador e o embrião resultante é transferido para o útero da receptora.
Todas as configurações são legais, exceto a inseminação caseira que não é regulamentada especificamente por leis brasileiras. Para este caso, não há proibições explícitas, mas também não há proteções ou diretrizes claras.
Registro na certidão de nascimento
O STF em diversas decisões já reconheceu a possibilidade de ter duas mães (ou dois pais) no registro da criança, desde que comprovado o afeto, mas o processo ainda pode ser burocrático. Atualmente, temos o Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que prevê a lavratura do registro de duas mães em caso de reprodução assistida, desde que se apresente documentos como laudos da clínica de fertilização.
Além disso, não é mais indispensável que o casal de mulheres seja casado oficialmente no papel para registrar o bebê em cartório, mas que ao menos uma certidão de união estável seja apresentada. É obrigatória a apresentação da Declaração de Nascido Vivo (DNV) e um documento com firma reconhecida do diretor técnico da clínica de reprodução assistida que ateste a FIV ou a inseminação artificial.
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o PL 5423/20, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), que visa alterar a legislação vigente para permitir que casais homoafetivos tenham o direito ao registro de dupla maternidade ou paternidade de seus filhos, independente do estado civil.
É comum que apenas um dos membros do casal seja registrado como pai ou mãe, deixando o outro como pai ou mãe socioafetivo, sem qualquer vínculo legal com a criança. É uma lacuna jurídica que pode gerar insegurança e prejudicar a garantia de direitos fundamentais.
O Provimento 83/2019 do CNJ limita o reconhecimento de parentalidade socioafetiva a crianças com mais de 12 anos. Assim, casais lésbicos precisam muitas vezes recorrer ao Judiciário para garantir o reconhecimento da mãe não gestante, especialmente em cenários de inseminação caseira.
Cada caso pode necessitar de uma ação judicial para definir a maternidade da mãe não gestante e outros direitos relacionados ao filho. Felizmente, o judiciário vem entendendo a favor do casal, determinando, inclusive, que após o nascimento do filho o hospital responsável pelo parto seja oficiado para preencher a Declaração de Nascido Vivo (DNC) em nome de ambas as mães.
Com informações do Terra.