O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou nesta terça-feira (19) na sessão de debates da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
Por tradição, o Brasil é o primeiro país a falar nessas reuniões – antecedido apenas pelo secretário-geral das Nações Unidas e pelo presidente da própria Assembleia Geral.
Lula retornou ao palco da ONU após 14 anos – discursou como presidente pela última vez na Assembleia-Geral de 2009. A primeira participação foi em 2003, vinte anos atrás.
Leia abaixo a íntegra do discurso de Lula:
Meus cumprimentos ao Presidente da Assembleia Geral, Embaixador Dennis Francis, de Trinidad e Tobago.
É uma satisfação ser antecedido pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres.
Saúdo cada um dos Chefes de Estado e de Governo e delegadas e delegados presentes.
Presto minha homenagem ao nosso compatriota Sérgio Vieira de Mello e 21 outros funcionários desta Organização, vítimas do brutal atentado em Bagdá, há 20 anos.
Desejo igualmente expressar minhas condolências às vítimas do terremoto no Marrocos e das tempestades que atingiram a Líbia.
A exemplo do que ocorreu recentemente no estado do Rio Grande do Sul no meu país, essas tragédias ceifam vidas e causam perdas irreparáveis.
Nossos pensamentos e orações estão com todas as vítimas e seus familiares.
Senhoras e Senhores, há vinte anos, ocupei esta tribuna pela primeira vez.
E disse, naquele 23 de setembro de 2003:
“Que minhas primeiras palavras diante deste Parlamento Mundial sejam de confiança na capacidade humana de vencer desafios e evoluir para formas superiores de convivência”
Volto hoje para dizer que mantenho minha inabalável confiança na humanidade.
Naquela época, o mundo ainda não havia se dado conta da gravidade da crise climática.
Hoje, ela bate às nossas portas, destroi nossas casas, nossas cidades, nossos países, mata e impõe perdas e sofrimentos a nossos irmãos, sobretudo os mais pobres.
A fome, tema central da minha fala neste Parlamento Mundial 20 anos atrás, atinge hoje 735 milhões de seres humanos, que vão dormir esta noite sem saber se terão o que comer amanhã.
O mundo está cada vez mais desigual.
Os 10 maiores bilionários possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade.
O destino de cada criança que nasce neste planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe.
A parte do mundo em que vivem seus pais e a classe social à qual pertence sua família irão determinar se essa criança terá ou não oportunidades ao longo da vida.
Se irá fazer todas as refeições ou se terá negado o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar diariamente.
Se terá acesso à saúde, ou se irá sucumbir a doenças que já poderiam ter sido erradicadas.
Se completará os estudos e conseguirá um emprego de qualidade, ou se fará parte da legião de desempregados, subempregados e desalentados que não para de crescer.
É preciso antes de tudo vencer a resignação, que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural.
Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo.
Senhores e senhoras
Se hoje retorno na honrosa condição de presidente do Brasil, é graças à vitória da democracia em meu país.
A democracia garantiu que superássemos o ódio, a desinformação e a opressão.
A esperança, mais uma vez, venceu o medo.
Nossa missão é unir o Brasil e reconstruir um país soberano, justo, sustentável, solidário, generoso e alegre.
O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo.
Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta.
Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais.
Resgatamos o universalismo da nossa política externa, marcada por diálogo respeitoso com todos.
A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas: a pandemia da Covid-19; a crise climática; e a insegurança alimentar e energética ampliadas por crescentes tensões geopolíticas.
O racismo, a intolerância e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar.
Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria desigualdade.
A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los.
A mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento – a Agenda 2030 – pode se transformar no seu maior fracasso.
Estamos na metade do período de implementação e ainda distantes das metas definidas.
A maior parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável caminha em ritmo lento.
O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado.
Nesses sete anos que nos restam, a redução das desigualdades dentro dos países e entre eles deveria se tornar o objetivo-síntese da Agenda 2030.
Reduzir as desigualdades dentro dos países requer incluir os pobres nos orçamentos nacionais e fazer os ricos pagarem impostos proporcionais ao seu patrimônio.
No Brasil, estamos comprometidos a implementar todos os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, de maneira integrada e indivisível.
Queremos alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um décimo oitavo objetivo que adotaremos voluntariamente.
Lançamos o plano Brasil sem Fome, que vai reunir uma série de iniciativas para reduzir a pobreza e a insegurança alimentar.
Entre elas, está o Bolsa Família, que se tornou referência mundial em programas de transferência de renda para famílias que mantêm suas crianças vacinadas e na escola.
Inspirados na brasileira Bertha Lutz, pioneira na defesa da igualdade de gênero na Carta da ONU, aprovamos a lei que torna obrigatória a igualdade salarial entre mulheres e homens no exercício da mesma função.
Combateremos o feminicídio e todas as formas de violência contra as mulheres.