Sem dois de seus principais adversários, a candidata María Corina Machado, da ala mais radical da oposição venezuelana, venceu por ampla margem as primárias da oposição celebradas no domingo, que definiu o rival do presidente Nicolás Maduro nas eleições de 2024. A política, no entanto, está inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos — o que em tese a impediria de registrar sua candidatura.
Um primeiro boletim da comissão que organizou as eleições internas informou que María Corina recebeu 552.430, ou seja mais de 93% dos 601.110 votos contabilizados até agora, com 26% das urnas apuradas. Seu rival mais próximo, Carlos Prosperi, que denunciou irregularidades no processo, recebeu 28.153 votos (4,75%) e os demais aspirantes uma votação inferior a 5 mil votos.
No total, 21 milhões de venezuelanos registrados puderam votar nas primárias de domingo — dentro do país e em 28 países. Além da candidata, os eleitores tinham que escolher entre outros nove candidatos, depois que Henrique Capriles, segundo nas pesquisas, e Freddy Superlano, do tradicional Vontade Popular (VP) — partido de Juan Guaidó e de Leopoldo López — deixaram a disputa poucos dias antes das primárias.
— Este não é o final, mas este é, sim, o início do fim — declarou María Corina a simpatizantes na sede de sua campanha.
A candidata, no entanto, está impedida pelo regime de Maduro de participar do pleito, apesar de um acordo histórico firmado entre governo e parte da oposição, na semana passada. O texto assinado em Barbados, onde acontecem as negociações, estabeleceu para o segundo semestre do ano que vem a realização de eleições presidenciais, com observação internacional. O acordo também contempla um pedido importante da oposição: a atualização do registro eleitoral dos aptos a votar, inclusive os mais de 6 milhões que vivem fora do país. Mas os avanços, embora celebrados por analistas, deixaram em aberto um ponto crucial: a participação de políticos declarados inelegíveis, como a própria María Corina Machado, que rejeitou o acordo.
As primárias foram organizadas pela própria oposição, que descartou a assistência técnica do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) após meses de evasivas por parte da instituição, que finalmente propôs, no último minuto, um adiamento de um mês para administrar o pleito. O atraso do CNE em dar uma definição provocou grandes problemas logísticos, da instalação de centros de votação — em praças, parques, escolas e até casas particulares —, até o credenciamento dos integrantes das mesas e das testemunhas.
Ao contrário do sistema eletrônico das eleições nacionais, a votação foi manual e alguns locais ficaram sem cédulas, uma vez que a participação dos eleitores superou as estimativas.
Apesar do resultado, no entanto, a oposição está cada vez mais dividida, em particular após a experiência fracassada de governo paralelo de Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido por mais de 50 países, incluindo o Brasil, mas acabou deslegitimado interna e externamente após o fracasso da tentativa de tirar Maduro do poder a qualquer custo.
María Corina enfrenta grandes resistências internas, e critica com veemência a oposição tradicional. Seu partido, Vente Venezuela, não integra, por exemplo, a coalizão Plataforma Unitária, que negocia com o chavismo na mesa de diálogo. Nos últimos anos, a deputada linha-dura se opôs tanto ao autoproclamado governo interino de Guaidó, quanto ao setor mais moderado da oposição, liderado por Capriles, que defendia a estratégia de retomar a via eleitoral para derrotar o governo nas urnas.
— Um candidato é escolhido, (mas) a liderança da oposição é outra coisa — disse, evasivo, o presidente da Plataforma Unitaria, Omar Barboza, após os primeiros resultados.
Hoje com 55 anos, María Corina ficou conhecida por liderar a oposição mais linha-dura contra o então presidente Hugo Chávez, mas seu nome se diluiu nos anos seguintes entre outros opositores. Engenheira industrial de formação, María Corina se destacou durante seu mandato, entre 2011 e 2014, como uma deputada combativa — e principalmente por suas críticas ferozes, tanto ao regime quanto à oposição.
Uma das principais articuladoras das manifestações contra o governo de Maduro, em fevereiro de 2014, teve seu mandato cassado no mês seguinte pela Assembleia Nacional da Venezuela, comandada na época pelo chavista Diosdado Cabello, número dois do regime. Depois, em 2015, foi inabilitada politicamente e proibida de deixar o país.
A punição, inicialmente de 12 meses e que terminou em 2016, foi prorrogada para 15 anos em junho deste ano, justamente quando sua campanha começou a crescer. A Controladoria, comandada pelo agora presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso, acusou a ex-deputada de corrupção e de promover sanções contra o país.
Com informações do Jornal O GLOBO.