O primeiro sinal de normalidade era as estações do metrô. Não havia mais as barras de ferro colocadas em formato de caracol para as filas gigantes que nunca apareceram. Na estação Msheireb, que serve como cruzamento de quatro linhas de trem, a cena de torcedores de diferentes países tirando fotos era algo do passado.
No boulevard de Lusail, a cerca de 300 metros do estádio de mesmo nome, onde horas antes tudo era júblio, lixo espalhado e mesas abarrotadas dos cafés e restaurantes, restou o silêncio.
Enquanto a campeã Argentina desfilava em carro aberto para cerca de quatro milhões de pessoas na região de Buenos Aires, o Catar tentava se adaptar à volta a um normal que muita gente não se lembra mais como foi.
“Para muita gente agora começa o trabalho de verdade. Porque muita coisa no Qatar estava parada à espera da Copa do Mundo. O país viveu em função disso durante um longo tempo”, afirma Alexandra Chalat, diretora para o legado da Copa do Mundo na Fundação Qatar.
Nas próximas semanas, a entidade vai recolocar em prática todos os seus programas e torneios para esportes femininos que estavam paralisados.
Nenhum país viveu tanto tempo em função de um Mundial de futebol quanto o Catar. Não há também outra nação que tenha sido tão questionada e tão colocada em xeque por organizar a competição.
O país venceu, de forma controversa, a eleição em dezembro de 2010 para sediar o evento de 2022. Foram 12 anos de preparação.
“Agora nós vamos cuidar para que o legado seja aproveitado pelo país. Nenhum outro país teve um plano tão detalhado para o que fazer com toda a estrutura de estádios e equipamentos construídos para a Copa quanto nós. O que nos deixa feliz é que o torneio foi um sucesso”, comemorou o secretário-geral para o Supremo Comitê para Entrega e Legado, responsável pela organização da competição, Hassan Al Thawadi.
Chamou a atenção da imprensa, que em vez de os jogadores da Argentina terem passado ao lado dos jornalistas após a decisão em Lusail, o dirigente tenha decidido fazê-lo.
Era uma celebração. O torneio havia se encerrado com partida que foi talvez a maior final da história, com o empate entre 3 a 3 com a França e a vitória sul-americana nos pênaltis.
O dia seguinte à partida do título fez com que as entidades de direitos humanos voltassem à carga contra o Catar. A ONG Human Rights Watch denunciou que a khafala, abolida na lei, continua em vigor. Trata-se da prática de que um operário imigrante somente pode trocar de trabalho se o empregador lhe der uma carta autorizando.
A entidade também reclama que o país se recusou a fazer um fundo para indenizar trabalhadores que ajudaram a construir os estádios e tiveram problemas de saúde ou familiares dos que morreram.
“A final da Copa aconteceu no Dia Internacional do Migrante e no dia Nacional do Qatar, uma coincidência apropriada, dado o papel indispensável dos trabalhadores para tornar possível o campeonato e o desenvolvimento do Catar. Mas em vez de a Fifa e o Catar resolverem a questão dos abusos que sofreram os imigrantes que colocaram de pé este torneio, optaram por deixar para trás um legado de exploração e violência”, disse Rotham Begum, investigadora do Human Rights Watch.
No centro de Doha, no mercado de Souq Waqi, em The Pearl e em West Bay, os lugares mais movimentados ou caros da capital do atar, o fim do Mundial foi sentido.
“Até ontem, neste horário, estávamos lotados e com poucos produtos na vitrine. Olhe como está agora”, lembra Daniela Radsen, gerente do Meesh Cafe, na região do aeroporto.
Por ficar aberto 24 horas, o local era um ponto frequentado sempre por torcedores de diferentes nacionalidades. No dia seguinte à decisão, o cenário já era outro.
Este cenário era na parte mais elitizada da cidade, que mais se aproveitou do boom da Copa. Nas áreas destinadas aos imigrantes, pouco mudou. O movimento em Al Mansoura, de operários em construções de prédios e em salões de cabeleireiros, um ao lado do outro, era o mesmo de sempre.
“A Copa mudou um pouco a rotina das pessoas. Mas ninguém pôde parar de trabalhar para ir em jogos. Nem álcool tinha na fan zone daqui. Não mudou muito não. Espero que o país continue crescendo. Enquanto há obras, há empregos. Se as pessoas que frequentam aqui estão empregadas, eu vendo mais. O futebol não aumentou minhas vendas, não. Quem sai do centro de Doha para vir aqui comprar? Ninguém”, comentou, ao dar de ombros, Hamud Faisal, dono de comércio de acessórios para celular em shopping de Asian Town, o bairro construído para os imigrantes.
Naquela região exclusiva da força operária, na segunda-feira pós Mundial, como todos os dias, a maior fila era nas agências de envio de recursos para o exterior, usadas pelos imigrantes para mandar dinheiros a seus familiares.
As informações são do Yahoo.