Ela á foi chamada de jornalista, psiquiatra, doutora e, de uma forma bastante pejorativa e machista, de “mocinha”, quando estava em um local repleto de homens. Mas o título que melhor descreve Ilana Casoy vem das redes sociais: “rainha do true crime”,nome dado a histórias de ficção inspiradas por crimes reais. “Já sofri vários preconceitos e agora, aos 62 anos, sou rainha? Amei”, diz, sorrindo.
O fascínio por temas que parecem atrair cada vez mais curiosos, como serial killers e assassinatos, fez mudar de vida a paulistana, formada em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e que já trabalhou em banco, escola e até em uma loja própria de roupas.
Ilana escreveu seu primeiro livro, “Serial killer: louco ou cruel?”, de 2002, com quase 40 anos. “Tudo o que um caso me angustia, a escrita exorciza. É como canalizo meu sofrimento. O livro me levou para uma viagem muito interessante, alcançou lugares, pessoas, abriu portas. Trago perguntas e tenho uma identidade muito forte com meu leitor”, explica.
Hoje, a criminóloga é autora de cinco livros e roteirista da série “Bom dia, Verônica”, sucesso da Netflix, e dos dois filmes sobre o caso Suzane von Richthofen, todos criados em parceria com o autor Raphael Montes.
A pedido dos fãs, um terceiro está em produção, sem data de estreia. E ainda sobra tempo para apresentar o programa “Em nome da Justiça”, do canal AXN. Na entrevista, feita por chamada de vídeo, Ilana, que é mãe de Fernando, de 40 anos, e Marcelo, de 36, e sobrinha do jornalista Boris Casoy, evita dar detalhes sobre a família por causa da profissão, mas fala de preconceito, machismo, assédio e o reencontro com o atual marido, o arquiteto Carlos Alberto Ribeiro de Lima, seu namorado de infância.
Você se sente uma outsider por trabalhar com um assunto que quase todo mundo evita?
Sempre. Sou uma mulher autodidata e quando comecei a fazer isso, ninguém fazia, não tinha nem tradução para a palavra serial killer. Ouvi de muita gente que era uma coisa americana, que não existia no Brasil. E era uma curiosidade minha, porque a mente humana não tem fronteiras geográficas.
Por que as pessoas gostam tanto de acompanhar histórias de crimes reais e serial killers?
A chave é a curiosidade. Elas podem ter acesso a isso de forma segura. Estão longe, mas dentro do que acontece <e sua imaginação permite. Hoje o público é mais exigente e não basta apenas uma boa trama. Ele quer entender o comportamento e a mente humana, quer a verossimilhança.
Bom Dia, Verônica” trata, nas duas temporadas, de abusos contra as mulheres. Você é feminista?
Eu não vou entrar numa caixa nessa altura da vida, e o feminismo é uma caixa. Me sinto bastante feminista no sentido de lutar pelas mulheres. Em 2022, as pessoas ainda não entenderam o que é uma escrivã de polícia (profissão da personagem Verônica Torres, interpretada por Tainá Müller). Fiz questão de ela não ser uma delegada, porque os escrivães são invisibilizados. Li uma vez uma história na internet de uma menina que inventou um estupro, e eu deixei um recado de força. Daí, um cara falou: “A menina enganou até a Ilana Casoy”. Eu respondi que a primeira coisa a fazer é acreditar, porque existe a cultura do estupro. Nesse sentido, o feminismo é super importante. Agora, não sei se me encaixo como uma militante.
Mas acha que toda mulher que é feminista, está em uma caixa?
Às vezes não, mas acho que existe uma mania nacional de rotular tudo.
O feminicídio tem alguma particularidade?
O que esse tipo de crime tem em comum é o descontrole. Mas em uma sociedade com um machismo estrutural como a nossa, não adianta discutir isso. Na Inglaterra, 95% dos homicídios são solucionados. No Brasil, a taxa é de 40%.O que inibe é a execução da pena e a punição de verdade
Como foi enfrentar o machismo dentro de um universo tão masculino quanto o da polícia?
Fiz um curso como ouvinte na polícia de São Paulo e tinha um professor que falava o tempo todo: “Não posso contar mais porque a jornalista está aqui”. Eu nem sou jornalista. Mas imagina o quanto eu estava incomodando. Uma vez também me chamaram de “mocinha”. Como assim? É difícil.
Já sofreu assédio?
Tem dois tipos de mulheres, a que sofreu assédio e a que mentiu que não sofreu. Minha resposta é essa.
Não quer dar mais detalhes?
Quando as mulheres melhoram sua percepção do que é assédio, começam a entender mais o que está acontecendo. Claro que fui assediada, e tenho uma percepção muito treinada… Não é porque sou eu que não sofro o mesmo drama que escrevo para as mulheres. Mas sou privilegiada, sempre tive muito apoio em família, dos meus filhos. E sou casada com o meu amor, um cara super lúcido.
Li que ele era seu namorado de infância e vocês se reencontraram via redes sociais.
Um dos meus sonhos era fazer Medicina e trabalhar com indígenas. Depois de uns dois anos separada, estava vendo umas fotos na rede social e vi uma dele no Xingu. Mandei mensagem na hora. “Lembra de mim?”. E ele: “Claro que lembro!”, e foi assim (risos).
Por lidar com a morte constantemente, tornou-se ma pessoa mais fria?
Ao contrário, estou muito mais quente. Primeiro, você valoriza muito mais a doçura. Só consegue ver sombra se você vê luz. E minha definição do que é problema ficou muito mais alta. Ao mesmo tempo, eu também fiquei mais tolerante. Se você perder essa sensibilidade, vai escrever o quê?
E você faz análise?
Desde os 13 anos. Já passei por psicodrama, Freud e agora estou em Lacan, acho que já é uma pós-graduação (risos). Então, claro que você toma um soco, cai, mas cada vez aprende a levantar mais rápido. Tenho essa vontade de contar para outras mulheres as experiências que não são só minhas, mas também as que escuto. Uma vez, a mulher de um assassino em série me perguntou: “Doutora, como paro de amá-lo?”. Olha que pergunta, penso nisso até hoje. Eu também não sei.
As informações são do Jornal O GLOBO.