UPP 2.0: no Rio, programa Cidade Integrada deve imitar política de insegurança

Após amanhecerem com a favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, ocupada por policiais, fuzis e cães, moradores entraram em clima de incerteza e medo: era a nova política do governador Cláudio Castro, invadindo a localidade de surpresa.

Segundo a Polícia Militar, as comunidades do entorno, como Manguinhos, Bandeira II e Conjunto Morar Carioca, também seriam ocupadas pelo Cidade Integrada, programa recém-lançado pelo governo estadual.

Para especialistas em segurança pública, o modelo anunciado por Castro rememora uma velha política do Rio de Janeiro.

“Mais do mesmo: é essa a sensação que temos pelo Cidade Integrada. É uma ‘UPP 2.0’, mas pior, já que a UPP foi apresentada a sociedade com plano de metas, e era acordada entre várias secretarias municipais e estaduais”. questiona Cecília Olliveira diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado.

Criada em 2008, o programa Unidade de Polícia Pacificadora é um projeto da Secretaria Estadual de Segurança do Rio de Janeiro para aplicação de polícias comunitárias em favelas.

“Damos início a um grande processo de transformação das comunidades do estado do Rio. Foram meses elaborando um programa que mude a vida da população levando dignidade e oportunidade. As operações de hoje são apenas o começo dessa mudança que vai muito além da segurança”, afirmou o governador Cláudio Castro (PL) no início da manhã da última quarta-feira (19).

Após o anúncio via redes sociais a criação do ‘Cidade’, o prefeito Eduardo Paes informou via Twitter que não esteve na construção da iniciativa do Chefe do Executivo estadual.

“Fui informado ontem no fim do dia pelo próprio governador. O que não houve foi planejamento prévio com prefeitura. E ressalto que apoio a iniciativa e trabalharemos juntos pelo bem de nossa gente. Só tem é que ter segurança pública”, escreveu o prefeito em sua rede social.

A ausência de diálogo com moradores também foi alvo de críticas. “Vimos que o novo projeto é basicamente baseado em pilares que levaram a UPP a sua derrocada. No Rio de Janeiro há um acervo de erros, e é frustrante ver que não são reconhecidos e escolhe-se cometê-los novamente”, afirma o coordenador da rede de Observatórios da Segurança do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC), Pablo Nunes.

Não há bases nem estudos, nem se pensa em ações adequadas para os locais. Respostas militarizadas para resolver problemas de territórios não funcionam. As UPPs, apesar de avanço em redução da criminalidade, demostraram fatalmente que investir apenas em fuzil, caveirões e homens armados não geram política pública eficiente.

Os 29 do Jacarezinho

A ocupação no Jacarezinho se torna ainda mais marcante pela história do político com o local. Numa quinta-feira, 6 de maio de 2021, a Polícia Civil do Estado realizou uma operação na favela com o uso de equipamentos de guerra: caveirões, fuzis e helicópteros. Um dia após esta operação, as avaliações positivas sobre o governo cresceram nas redes sociais. Informações obtidas pela jornalista Mônica Bergamo mostraram que o número de menções positivas do governante passaram de 12% para 41% após a ação no Jacarezinho.

Depois da repercussão da chacina, Castrou divulgou um vídeo afirmando que os policiais da operação realizaram o “fiel cumprimento de dezenas de mandados expedidos pela justiça”. O massacre foi considerado um dos mais letais da história do RJ, tendo 29 assassinados naquele dia.

O mote de Castro continua. Foi pautando a segurança pública que o ex-governador impeachmado, Wilson Witzel, foi eleito. Seu sucessor para o cargo, também assumiu parte desse discurso. Logo após 3 meses de gestão, especialistas e os dados apontaram que Castro é ainda mais letal que Witzel.

“Sabemos que Cláudio Castro é um governador fraco em termos políticos, então nos parece uma jogada de marketing político em ano eleitoral. O programa vem muito mais para atingir essas necessidades”, avalia Nunes.

A Polícia Militar estadual deseja instalar câmeras de reconhecimento facial na Favela do Jacarezinho para acompanhar as operações em tempo real. “Nos surpreendeu o fato de que a polícia pretende usar reconhecimento facial, visto que o governo já havia dito que não tinha tal pretensão”, explicou Nunes.

Para exemplificar, o especialista recorda do episódio ocorrido em julho de 2019, quando a medida foi adotada na capital fluminense. Na ocasião, uma mulher foi detida por engano depois de ter sido confundida pelo sistema de reconhecimento facial da Polícia Militar. Os policiais acreditavam estar prendendo uma foragida da Justiça, acusada pelos crimes de homicídio e ocultação de cadáver.

“Essa política se mostrou muito falha. No segundo dia de operação, já houve identificação por engano. Há uma taxa de erro de mais de 50% nos casos de reconhecimento facial, o que torna inclusive mais trabalhosa a ação das polícias”, explica o coordenador da rede de Observatórios da Segurança.

De acordo com o g1, que teve acesso a um termo de referência feito pela Secretaria Estadual de Polícia Militar, foi feita uma cotação para a contratação emergencial de uma empresa para instalar 22 câmeras no entorno do Jacarezinho.

O documento diz também o que as câmeras devem conter como, por exemplo, detecção facial, detecção de placas, capacidade de contagem de pessoas e detecção de imagens coloridas em ambientes de baixa iluminação.

O governo do RJ não deu maiores informações do projeto. Uma entrevista coletiva no sábado foi convocada para a divulgação das ações e detalhes.

 

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