Nos últimos dois anos de graduação, recebeu um empréstimo de 500 dólares por ano da Fundação Estudar, fundada pelo empresário Jorge Paulo Lemann. Também passou a fazer parte da Rede Lemann, associação voltada a apoiar brasileiros que querem desenvolver projetos de impacto no setor público. O empresário recentemente esteve envolvido em um escândalo da rede Lojas Americanas após ser descoberto um rombo contábil bilionário.
Quando voltou ao Brasil, Tabata fez o primeiro curso de líderes políticos do RenovaBR, grupo fundado pelo empresário Eduardo Mofarrej. Em 2018 candidatou-se a deputada federal pelo PDT e foi eleita pela primeira vez.
Desde então, a deputada está habituada a figurar entre os trending topics das redes sociais. Já no primeiro ano de mandato, migrou para o PSB após votar a favor da Reforma da Previdência, contrariando a orientação da sigla pela qual foi eleita.
Também viu sua voz viralizar nas redes por, aos 25 anos, desafiar o ex-ministro da Educação de Jair Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez, de 75. “Em um trimestre, não é possível que o senhor apresente um Powerpoint com três desejos para cada área da Educação. Cadê os projetos? Cadê as metas?”, questionou ela. “A mim resta lamentar o que está acontecendo e esperar que o senhor mude de atitude — o que parece completamente improvável — ou saia do cargo”, finalizou.
Em 2022 foi alvo de críticas ao defender a cobrança de egressos das universidades federais a depender da renda do formado. Um mês depois, por causa de uma votação que permitiria aos bancos tomar a única casa de famílias endividadas e inadimplentes. Tabata alegou ter cometido um “erro técnico” e assegurou ser contrária à proposta.
Aos 29 anos, acaba de assumir o segundo mandato como deputada federal, com 337.873 votos. Apoiou a candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022 e fez parte da equipe de transição do novo governo, na área da educação.
Abaixo, a parlamentar se posiciona sobre temas-chave para as mulheres brasileiras, como o aborto enquanto política pública, a legalização do uso da maconha e o combate à violência contra as mulheres.
O que pensa Tabata Amaral sobre o aborto
“A defesa dos direitos das mulheres é uma bandeira minha mesmo antes do primeiro mandato. Por isso, batalhei em muitas pautas, lutando contra a pobreza menstrual, pela garantia de mais recursos para o combate à violência doméstica e pela Lei Maria Ferrer [nº 14.425/2021], que proíbe manifestações que atentem contra a honra da vítima, para citar alguns exemplos.
Sobre a questão do aborto em si, sou contra a legalização em todos os casos, e acredito que precisamos trabalhar para garantir que a legislação atual seja de fato respeitada e meninas deixem de ter seus direitos transgredidos após gravidezes causadas por estupro, por exemplo. Estou disposta a debater o tema com a seriedade e complexidade que ele merece.”
O que diz a deputada federal sobre combate ao feminicídio e à violência contra a mulher
“Existe um problema estrutural e cultural que leva à essa cultura de impunidade. Agora, um lado que é pouco olhado é o quanto essa cultura de violência e o machismo estrutural faz com que praticamente não exista financiamento para as políticas voltadas para as mulheres, especialmente na parte de segurança.
Digo isso por duas razões. Primeiro que vimos diminuir muito o financiamento disponível para a Casa da Mulher Brasileira durante o governo Bolsonaro, além de outras políticas de combate à violência contra a mulher. Mas também porque a gente sabe que existe um espaço de aprimoramento da legislação – inclusive trabalhei com diversos projetos nessa área.
Mas se o programa não tem recurso, não é efetivado. Talvez deveríamos focar mais esforços em garantir esses recursos. Claro que temos que nos dedicar ao debate da legislação, mas espero me dedicar mais ainda ao debate orçamentário. Na última legislatura fui relatora de um projeto que tenho muito orgulho, que reserva um percentual do Fundo de Segurança Nacional para o combate à violência contra a mulher.”
Me parece hoje que temos uma oportunidade única de aprimorar e estruturar esse programa do Bolsa Família. Temos uma chance de fortalecer esse programa, da assistência social e CRAS ao redor do Brasil, para garantir que famílias não sejam invisibilizadas e que o recurso chegue a todos.”
Como Tabata Amaral encara o teto de gastos
“Eu sou uma grande defensora de que responsabilidade social e fiscal caminham lado a lado. Qualquer pessoa que tenha um discurso que favoreça uma em detrimento da outra estará fazendo um discurso populista e twitteiro, que no final do dia vai machucar os mais pobres. Entendo que precisamos de uma nova âncora fiscal, já que, por diversas razões, o teto de gastos foi ineficiente. Inclusive não levou a uma melhor alocação de recursos e nem foi respeitado nos últimos anos.
A gente precisa aproveitar essa oportunidade não para colocar um discurso populista de que nenhuma âncora fiscal funciona, mas sim criar e discutir em conjunto algo que funcione. Criar algo que nos garanta o controle da inflação, trajetória da dívida e recursos para reinvestir em quem mais precisa. Vou me engajar muito nas duas pautas que acredito que serão as mais importantes para a pauta econômica do país: a reforma tributária e discussão de criação de uma âncora fiscal.”
Tabata Amaral sobre desenvolvimento econômico alinhado ao meio ambiente
“É um mito, uma lenda urbana da política brasileira a ideia de que o desenvolvimento econômico não pode caminhar junto com sustentabilidade e proteção ambiental. Um país tão diverso como o nosso e que deve se orgulhar de todos os seus ecossistemas, ganha e muito com tudo que fizermos para o Brasil ser líder nas discussões climáticas e ambientais. Atualmente, estamos numa posição em que outros países estão dispostos a trazer recursos para garantir que vamos manter nossas florestas de pé.
O mesmo vale para essa dicotomia que colocam entre agro e meio ambiente. O agro que é sério e segue a lei perde e muito com toda a destruição e desmonte que aconteceu na gestão Bolsonaro. Quem ganha é justamente o garimpo ilegal, que está afetando tanto populações indígenas, e pessoas que deveriam estar presas e que desmatam de forma ilegal. Temos uma oportunidade muito boa de discutir o crédito de carbono de forma séria e trazer outras discussões que estou puxando na Câmara, como de adaptações à mudança do clima, educação ambiental e outras pautas.”
O que pensa a parlamentar sobre combate à violência contra ativistas
“Fala-se muito sobre o desmatamento da Amazônia e de outras regiões. Falamos de certa forma sobre o desmonte de órgãos ambientais como o IBAMA, mas se fala pouco sobre como atividades ilegais como as queimadas e o garimpo, que criaram uma terra sem lei. Especialmente na região Norte, onde ativistas são assassinados, membros de diferentes povos indígenas são assassinados e o narcotráfico corre solto.
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Essa cultura de impunidade que se criou está relacionada ao fato de que, enquanto o Brasil viu uma queda no número de homicídios e insegurança, vimos uma tendência contrária na região Norte. O primeiro passo para revertermos esse cenário é combater o crime como ele deve ser combatido.”
Tabata Amaral sobre violência policial
“Como alguém que vem da periferia, esse é um debate que é muito relevante para mim e para minha comunidade. Esse brutalidade que a gente vê cria uma população que tem medo do crime e também de alguns representantes policiais. Claro que não são a maioria, mas dos que se portam de forma muito violenta na periferia, especialmente contra jovens negros. Esse não é um debate fácil, passa por soluções múltiplas e complexas. Vimos uma experiência muito bacana em São Paulo, que foram as câmeras de monitoramento, utilizadas pelos policiais.
Existe um debate no Congresso sobre a saúde mental dos policiais brasileiros, que estão entre os que mais matam, mas também os que mais morrem. E precisamos entender que o combate ao crime organizado, ao narcotráfico, depende de muito mais inteligência e articulação entre os diferentes entes dessa situação. Que vai além da ostentação de força bruta e impacta muito mais os mais vulneráveis.”
Tabata Amaral sobre encarceramento em massa e legalização das drogas
“O Brasil tem uma das populações carcerárias mais altas do mundo e isso se deve a muitos fatores, como o tempo de julgamento no Brasil. Alguns estudos apontam que é de 8 anos. Estamos falando de muitas pessoas que estão ali, presas de forma injusta e que não tem direito à defesa e ao julgamento. Essa discussão é complexa e é impactada também pela questão da chamada guerra às drogas. Olhando para experiências positivas de outros países, defendo a legalização da maconha.
Estudos mostram que inúmeros jovens periféricos são presos por causa do uso da maconha, muitas vezes de uma quantidade muito pequena. A gente precisa passar por uma transição, para deixar de encarar o uso – e não a comercialização ilegal – como uma questão de saúde e não de polícia e segurança. Digo isso com muita propriedade, pois perdi meu pai para as drogas.
Tratar um dependente químico como um criminoso é apenas mais uma forma de punir a população mais pobre e negra
— Tabata Amaral
Convivi com a dependência química no contexto em que ele só recebia julgamentos e preconceitos, e não o apoio e acolhimento que uma pessoa doente precisa. Tratar um dependente químico como um criminoso é apenas mais uma forma de punir a população mais pobre e negra.
É sim um debate complexo e não acho que a legalização da maconha seja suficiente ou o único caminho. Precisamos de muito mais inteligência entre os entes. Toda a discussão, ainda com muito preconceito, sobre a utilização do canabidiol mostra como estamos atrasados nesse debate.”
O machismo na trajetória política de Tabata Amaral
“É impossível pensar na minha trajetória na política sem pensar no machismo diário que enfrento. Sempre digo que as pessoas discordam de mim por um posicionamento, e fingem uma discordância por uma disputa de poder e de voto. Mas a forma violenta que elas reagem cai na conta do machismo. Poderia dar inúmeros exemplos, desde ser barrada semanalmente nas dependências da Câmara e do Senado, das vezes em que fui xingada nas redes sociais, das ameaças que já chegaram por e-mail e até na minha casa e das falas violentas e criminosas de figuras públicas.
Sempre digo que ter opinião pública é a nova minissaia, faz com que muita gente criminosa se sinta à vontade para destilar seu ódio, incitando violência. Não sei se é o exemplo mais marcante, mas o mais recente é que em muitas vezes tive que usar um carro blindado e ter um segurança durante a minha última campanha. Mas sigo aqui, de cabeça erguida, criamos o Vamos Juntas, apoiando outras mulheres e lutando contra essa violência. Definitivamente, ser politicamente pública tem um custo pessoal, um risco de vida que não é conhecido pelos homens.”
É impossível pensar na minha trajetória na política sem pensar no machismo diário que enfrento
— Tabata Amaral
Tabata Amaral sobre a Bancada Feminina e o jogo político na Câmara
“Toda vez que falo sobre a luta das mulheres na política, lembro que há 90 anos a gente não podia nem votar. E olha o quanto já conquistamos. Estudos dizem que vamos levar mais 100 anos para termos igualdade entre homens e mulheres na política. Definitivamente não quero esperar todo esse tempo, quero ver isso em vida. Sou muito otimista, porque o crescimento recente da bancada feminina vem sendo muito mais acelerado do que se olharmos para o começo.
Sou otimista porque vi diversas vezes mulheres com visões de mundo e partidos completamente diferentes se unindo. E sou otimista também porque vejo o nosso poder de mobilização. A luta contra a pobreza menstrual foi um grande exemplo. O projeto foi muitas vezes motivo de chacota, fui motivo de chacota nacional.
O nosso projeto foi vetado pelo presidente da República. Derrubar esse veto foi uma nova luta, mas hoje toda vez que entro numa escola em São Paulo ou qualquer lugar em que projetos como esse andaram e vejo relatos de meninas que passaram a frequentar as aulas de forma muito mais assídua porque tiveram acesso a absorventes, tenho certeza que vale muito a pena ocupar esse lugar e que a transformação está acontecendo.
As coisas estão mudando. Queremos que essa mudança seja muito mais rápida e ela será.”
As informações são da Marie Claire.