Por que o carro custa tão caro no Brasil?

Tentativa do governo de trazer de volta o 'carro popular' reacende um velho debate

preço dos carros no brasil

Renault Kwid Zen e Fiat Mobi Like são os carros mais caros do Brasil (Divulgação)

A tentativa do governo de trazer de volta o “carro popular” com os incentivos fiscais prometidos na última quinta-feira (25) para carros de até R$ 120 mil reacende um velho debate: Por que o carro custa tão caro no Brasil? Afinal, quem é o vilão?

Um levantamento realizado pela consultoria automotiva Jato Dynamics mostra que o preço médio dos carros médios vendidos no Brasil em abril de 2023 foi de R$ 140,3 mil, mais que o dobro de 2017, seis anos atrás, quando o tíquete médio dos automóveis comercializados foi de R$ 70,8 mil.

No mesmo estudo, a Jato Dynamics revela que o brasileiro que ganha um salário mínimo – que hoje é de R$ 1.320 – precisa trabalhar 4 anos e 5 meses (53 meses sem gastar um centavo do salário) para comprar o carro mais barato vendido por aqui, o Renault Kiwd ou o Fiat Mobi – que custam a partir de R$ 68.990.

Em 2017, por exemplo, o carro mais barato no Brasil era o Chery QQ, que custava R$ 26.690 ou 28 salários mínimos da época (R$ 954) contra os 53 necessários de hoje. E aqui temos a primeira razão: a perda do poder de compra.

Impostos e ‘custo Brasil’

Se perguntar para qualquer brasileiro que sonha em comprar um carro zero qual a principal razão de um carro ser tão caro ele deverá responder: a carga tributária!

E não está errado. Os impostos representam de 30% a 50% do valor de um carro novo. Se o veículo for importado, pior. Neste caso, o valor dos tributos pode ultrapassar os 60% do valor final. Tanto que o governo anunciou que pretende fazer uma desoneração (que ainda não é oficial) para baixar o preço dos carros produzidos no país que custam até R$ 120 mil.

Ainda não é oficial pois carece da avaliação do Ministério da Economia – falta calcular quanto o governo vai perder de arrecadação com as medidas e definir o prazo para a renúncia fiscal valer – e da edição de uma Medida Provisória que regulamente estes descontos nos tributos e que deve ser publicada até o começo de junho.

Milad Kalume Neto, diretor de desenvolvimento de negócios da Jato Dynamics do Brasil bota na conta do carro caro por aqui também o chamado “custo Brasil”, que vai além dos impostos. Além dos tributos, a infraestrutura e a logística, por exemplo. “O custo para produzir um carro aqui é maior em relação a outros mercados”.

“O Brasil é um país de dimensões continentais e o transporte de mercadorias é feito majoritariamente por estradas e o custo deste transporte (frete) ajuda a encarecer o produto. Combustíveis caros, estradas ruins… e tem ainda os encargos trabalhistas que não existem em outros países, por exemplo.”

Como base de comparação vamos usar três carros vendidos no México e no Brasil, o Renault Kwid, o Volkswagen Nivus e o Toyota Corola Cross. Nos três casos, a diferença de preços do carro no Brasil e no México é grande. No Brasil, os três modelos custam entre 27% e 59% a mais do que no México. Veja o quadro abaixo.

No México é cobrado um imposto único, o IVA, cuja alíquota é de 16%. No Brasil, os impostos que estão na conta de um carro zero são: IPI, ICMS e PIS/Cofins.

E depois que compra o veículo, o dono ainda precisa arcar com o IPVA, que é anual e pode variar de 2% a 4% do valor do veículo dependendo do Estado.

Inflação oficial + crise de semicondutores = Inflação do automóvel

A segunda é a velha conhecida inflação. De 2017 para cá, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) – inflação oficial do País medida pelo IBGE – acumula alta de 39,25% (de janeiro de 2017 a abril de 2023). Mas essa é a inflação geral, que procura medir uma cesta de compras do brasileiro. A “inflação dos carros” foi muito maior.

Como a base de comparação é o ano de 2017, vamos usar o preço do Renault Kwid que naquele ano custava R$ 29.990. Hoje, o carro mais barato do país ao lado do Fiat Mobi, o Kwid custa R$ 68.990 na sua versão Zen. Um aumento de 137% no valor, contra os 39,25% de inflação no mesmo período.

Se fosse corrigido somente pela inflação oficial, o preço do carro de entrada da Renault deveria ser de R$ 41.579 e não os quase R$ 70 mil que custa atualmente. Ou seja, há uma diferença considerável entre o valor corrigido pela inflação e o valor cobrado atualmente: R$ 27.410.

O estudo da Jato comprova que o preço de venda dos veículos no Brasil cresceu muito acima da inflação oficial. O valor médio de um carro zero era de R$ 70,8 mil em 2017 e pulou para R$ 140,3 mil em abril de 2023 – 98% a mais contra uma inflação de 39%. Por quê?

Pós-pandemia

Para explicar esta diferença de inflação oficial e do automóvel, Kalume Neto, da Jato Dynamics, lembra que o maior aumento aconteceu no pós-pandemia, quando os fabricantes tiveram de lidar com paralisações devido ao lockdown provocado pela covid-19 e pela falta de peças, principalmente de semicondutores.

“A pandemia causou uma crise na cadeia de suprimentos da indústria automotiva e o aumento nos preços dos carros foi global. Com a crise dos semicondutores, em especial, os fabricantes se viram obrigados a escolher onde colocar os poucos chips que tinham disponíveis. Com 20 carros para montar e só 10 chips disponíveis, por exemplo, colocaram nos carros mais caros. Com isso, os carros de entrada saíram de cena e a indústria apostou em veículos com maior margem de lucro, como os SUVs.”

Kalume Neto soma ainda a desvalorização do real no período – que impacta no preço final do veículo (suprimentos e logística) – para explicar o aumento de preços no Brasil nos últimos anos. Outro fator apontado por ele é cultural. “No Brasil, carro é sinônimo de status, independentemente da classe social. Se tem demanda no valor que está sendo praticado, o preço não vai baixar.”

O salário mínimo, por sua vez, segue acompanhando a inflação, pelo menos de 2017 pra cá. Hoje é de 1.320 e, se acompanhasse o mesmo acumulado do IPCA desde janeiro de 2017 – que usamos para corrigir o valor do carro – ele deveria ser de R$ 1.328,41.

Carros zero mais baratos do Brasil em 2017

Chery QQ Smile – R$ 26.690
Renault Kwid Life – R$ 29.990
Fiat Mobi Easy – R$ 34.210

Carros zero mais baratos do Brasil em 2023

Renault Kwid Zen e Fiat Mobi Like – R$ 68.990
Citroën C3 Live – R$ 72.990
Fiat Argo – R$ 78.590

Carros com mais itens e consumidor mais exigente
Mesmo sendo os mais baratos do Brasil, Fiat Mobi e Renault Kwid não são os mais vendidos.

Em abril de 2023, segundo dados da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), os dois estão em 8º e 11º lugares, respectivamente na lista dos mais emplacados no mês.

No top 3 estão: o Onix (R$ 84,390*), da GM, com 7.376 unidades emplacadas no mês passado; o Hyundai HB20 (R$ 82.890*), com 7.143 unidades, e o Polo (R$ 81.490*), da Volkswagen, com 6.063 veículos vendidos. (*preços sugeridos e divulgados nos sites dos fabricantes).
Esta exigência maior por mais conforto e itens de série também pode explicar o valor cada vez maior dos carros mais vendidos no País.

“O produto (carro) foi reposicionado, aumentando o valor e diminuindo custo. A legislação brasileira obrigou mais itens de segurança obrigatórios, com todos os carros saindo de fábrica com airbag e freios ABS de série, e isso impactou no preço”, diz Kalume.
O diretor da Jato acrescentou ainda outras exigências, como motores melhores, mais econômicos e mais ecológicos. “A indústria teve de mudar com as exigências de eficiência energética, tecnologia e conforto. E tudo isso gera custo”, explicou Kalume, lembrando que outras exigências, como o controle de estabilidade ainda estão por vir e devem encarecer os carros ainda mais.

10 carros mais vendidos no Brasil em abril de 2023* e o preço de partida deles

Onix (GM) – R$ 84,390
HB20 (Hyundai) – R$ 82.890
Polo (VW) – R$ 81.490
Argo (Fiat) – R$ 78.590
Onix Plus (GM) – R$ 96.390
Compass (Jeep) – R$ 171.754
HRV (Honda) – R$ 148.900
Mobi (Fiat) – R$ 68.990
Creta (Hyundai) – R$ 110.990
T Cross (VW) – R$ 116.550
Fonte: Fenabrave

Brasileiros compram menos carros

Os brasileiros estão comprando menos carros, revela este estudo da Jato. Segundo a empresa, em 2022 foram vendidos mais carros para pessoas jurídicas do que para pessoas físicas. Este foi o primeiro ano em que os CNPJs superaram os CPFs na compra de carros no país. No ano passado 52,9% das vendas foram para pessoas jurídicas.

Em 2018, as vendas para pessoas físicas representavam 64,4% do total, e hoje respondem por 47,1% do total de carros vendidos. Bom, dizer que estão computadas como pessoas jurídicas no estudo da Jato os CNPJs, as vendas diretas para locadoras, as vendas para pessoas com deficiência e os frotistas, entre outras.

Com informações da Valor Investe.

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