PL que regula criptomoedas no Brasil passa no Senado

Especialistas se dividem sobre os aspectos do projeto de lei 3.825/2019, que regulamenta as atividades do setor cripto no Brasil

A aprovação no Senado do Projeto de Lei (PL) 3.825/2019 que regulamenta as operações com criptomoedas no Brasil foi o assunto das principais manchetes durante a semana. O projeto, do senador Flávio Arns (Podemos – PR) e que teve a relatoria do senador Irajá (PSD-TO), visa combater a prática de crimes com criptoativos e cria mecanismos para proteger investidores.

Em seu caminho para virar lei, o PL agora será levado à Câmara dos Deputados e, caso aprovado pelos deputados federais, seguirá para sanção do presidente Jair Bolsonaro. Se tudo der certo e não houver propostas de emenda, depois de 180 dias, a nova lei se tornará efetiva.

Uma nova lei focada em regulamentar as criptomoedas no Brasil pode ter forte impacto no mercado brasileiro e nas empresas que aqui operam. Além da proteção ao investidor, o projeto incentiva a redução do impacto ambiental da mineração de ativos digitais, retira as criptos do escopo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e define as diretrizes para a atuação das corretoras, casas de câmbio e outras prestadoras de serviços relacionadas a este mercado.

Com isso, especialistas se dividem sobre os prováveis pontos positivos e negativos que a nova lei terá, caso entre em vigor. Um dos acertos do PL 3.825/2019 é, justamente, o seu enfoque nas empresas que atuam no setor, de acordo com Pedro Simões.

Pedro é coordenador da Equipe de Penal Empresarial e Compliance do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra e Diretor Educacional do Instituto de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Combate ao Financiamento do Terrorismo (IPLD).

“A essência da lei é a regulação da atividade de intermediação de ativos virtuais, ou seja, em linha com as recomendações do GAFI, o foco são os prestadores de serviços de ativos virtuais (VASPs). O conceito de VASPs é amplo e envolve todas as empresas que atuam na prestação de serviços envolvendo ativos virtuais, e aí é que a nossa lei acerta, ela regulamenta as VASPs. Ela estabelece, inclusive, um processo de prévia autorização para o funcionamento de Exchanges e outras VASPs”, explicou Pedro.

Marco Castellari, CEO da Brasil Bitcoin, concorda com os benefícios da abordagem. O executivo, que é um dos representantes do setor de empresas do mundo cripto, acredita que a lei pode evitar fraudes financeiras, mas faz algumas ressalvas: “A partir do momento em que as corretoras são credenciadas, os riscos de pirâmides e fraudes financeiras diminuem bastante, mas devemos ter cautela para que esse e outros PLs não sejam invasivos ao ponto de inviabilizar a operação das empresas, pois isso seria muito prejudicial para a economia nacional”.

No entanto, outros representantes do setor enxergam na nova lei, uma chance de fazer com que o Brasil caminhe ainda mais na direção de se tornar um polo da indústria cripto. Para André Portilho, head de Digital Assets no banco BTG Pactual, a aprovação da lei será muito bem-vinda.

“A aprovação da lei será muito positiva e pode significar um grande avanço do setor no país, que poderá se tornar um hub mundial para a indústria cripto devido à uma maior clareza regulatória. Além disso, a definição das regras do jogo e dos responsáveis pela fiscalização das corretoras de criptoativos irão trazer mais segurança para o investidor, o que pode aumentar a aderência dos brasileiros às criptomoedas”, disse o head da área, que anunciou no último ano a Mynt, plataforma de negociação de criptomoedas do banco, que é o maior de investimentos da América Latina.

Antonio Neto, gerente de desenvolvimento de negócios na FTX, uma das maiores corretoras cripto do mundo, também enxerga com bons olhos as possibilidades que podem surgir com a aprovação da lei pela Câmara e pelo presidente.

“O mundo avança na agenda regulatória, e o Brasil não pode ficar para trás. Nossa lei de criptoativos deve estar em sintonia com os princípios discutidos e aceitos nos países polos de inovação. A regulação nacional tem que levar em consideração duas concepções que não são excludentes, e sim complementares: a proteção ao consumidor-investidor, e o não sufocamento das novas tecnologias.

Criptoativos trazem liberdade financeira para todas as classes sociais, permitindo que qualquer um tenha ativos digitais. E essa liberdade pressupõe responsabilidade, tanto do governo de coibir fraudes, quanto do investidor de se educar financeiramente com qualidade”, explicou Antônio. A FTX é liderada pelo jovem bilionário Sam Bankman-Fried e se tornou um grande destaque da indústria cripto.

A proteção do investidor, um dos principais objetivos do projeto de lei, não se dá apenas na regulamentação das empresas do setor, mas também no combate aos crimes de lavagem de dinheiro e fraudes financeiras. Por isso, especialistas reconhecem a sua importância.

“Vejo esse projeto em específico como um ponto inicial e as suas propostas sugerem isso, ainda focadas em penas para crimes como “Pirâmides Financeiras” e nas determinações básicas para atuação das exchanges no país”, disse Rodrigo Batista, CEO da Digitra.com.

“Um ponto importante é que o custodiante precisa ser regulado e passar a apresentar garantias legais de que pode fazer essa custódia. Torna-se crime fazer essa custódia de forma ilegal e a pessoa pode ser responsabilizada criminalmente, o que hoje não existe e facilita os golpes. Ninguém mais vai conseguir criar contas sem identificação e todas as transações também serão identificadas pelas corretoras. Isso, de certa forma, é positivo, pois traz garantias para o consumidor se precaver de golpes e, na outra ponta, dificulta a lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e outros crimes no universo de criptoativos”, explicou Felipe Medeiros, analista e sócio da Quantzed Criptos.

Apesar de incluir no Código Penal um crime específico para as irregularidades envolvendo criptomoedas, o projeto reduziu a pena, que antes era de 4 a 8 anos para quem “organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilítica em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”.

O relator do projeto, entretanto, acolheu pedido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que o tempo de reclusão para o tipo penal criado pela lei fosse diminuído para 2 a 6 anos.

A decisão não agradou a todos, e Daniel Coquieri e Flávia Jabur, CEO e Community Manager da Liqi Digital Assets, respectivamente, manifestaram opiniões contrárias. Para Flávia, a segurança do investimento é uma das principais preocupações do investidor, e por isso as punições para estes tipos de crime devem ser levadas mais a sério.

“Creio que a regulamentação do mercado em si vai trazer muita segurança para as pessoas que ainda têm receio de investir no setor. Além disso, vejo que mais instituições aparecerão com esse modelo de investimento e operação. Eu realmente espero que a gente veja um aumento da pena, pois vimos nessa primeira etapa uma redução para crimes no mercado cripto, então que possamos ter uma mudança em relação a isso. Vejo que a maior preocupação hoje no segmento, são os problemas com os golpistas nesse meio. Então que essa regulamentação seja, realmente, boa para investidores e instituições”, disse Flávia, que espera uma mudança neste aspecto da lei antes de sua aprovação definitiva.

Daniel Coquieri, por outro lado, citou o histórico do Brasil com este tipo de crime como um fator preocupante. Casos famosos como o “Faraó dos Bitcoins” são investigados pela Polícia Federal até hoje e preocupam quem possui interesse em investir no setor.

“Um ponto que me chamou a atenção foi a pena muito baixa para crimes com criptomoedas. Acho que, dado o histórico do Brasil, o Congresso poderia ter aplicado uma pena maior, mas já é uma evolução”, afirmou Daniel, acrescentando que “quando a lei for de fato assinada, vai ser bem importante para a expansão do mercado e os recursos que entrarão, e a segurança das operações. É gratificante ver essa movimentação acontecendo”.

Ainda que corra o risco de não ser aprovado pela Câmara dos Deputados ou receber o veto do presidente Jair Bolsonaro, especula-se que tal fato não irá acontecer. Ainda sem data definida para análise na Câmara, o projeto já é o segundo do tema a passar pela casa.

O assunto já chegou a ser discutido e aprovado pela casa em dezembro de 2021, o que aumenta as chances de aprovação do PL 382/2019. Além disso, o filho do presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro, foi um dos votos favoráveis à nova legislação na cotação realizada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE do Senado, sugerindo improbabilidade de um veto presidencial.

As informações são da EXAME.

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