Startups apostam em melhorar visão ambiental e sustentável do agro no país

Quando a barragem de Fundão, da Samarco, se rompeu inundando Mariana e outras 38 cidades com mais de 40 bilhões de litros de rejeitos de minério de ferro, milhões de produtores rurais tiveram suas terras contaminadas com metais pesados.

Um problema que a doutora em microbiologia Ana Justiniano visou contornar ao longo do estudo do seu doutorado. Quase sete anos depois, a bactéria empregada por Ana se tornou carro chefe da sua startup, que pesquisa meios de aumentar a produtividade das culturas – sobretudo milho e soja – com fertilizantes biológicos.

“É muito difícil fazer pesquisa e empreender puramente com preservação do meio ambiente no Brasil; a própria Fundação Renova não recebeu nossa oferta para uso do composto para descontaminação do solo”, conta Ana, se referindo à organização custeada pela Samarco para compensação ambiental resultado do dessastre. “Meu pai, que hoje é meu sócio, já tinha contato com produtores rurais e optamos por utilizar nossa inovação neste ramo; hoje a maior parte dos nossos clientes está em Goiás e usa a combinação de bactérias e cascas de café para aumentar a produtividade”.

O setor do agronegócio, sobretudo de grande produção de commodities, como soja, milho e cana-de-açúcar, convive há alguns anos entre a valorização do trabalho, que atualmente corresponde a mais da metade de tudo o que é produzido no campo, e as críticas sobre o impacto ambiental da atividade, que nas últimas décadas se expandiu por áreas mais secas do país, como o cerrado, chegando às fronteiras da Amazônia.

No ano passado, a floresta perdeu 13.000 km2 de mata nativa, sobretudo em fronteiras de expansão da pecuária, como o Pará e o Mato Grosso. Área maior que dois DF inteiros.

ao Paulo, 10.jun.2022 – Com o uso de lampadas especiais que favorecem o crescimento das plantas, a startup do agro Pink Farm produz hortalicas a poucos metros da marginal Tiete do Ceagesp, no coracao de Sao Paulo. Mantendo um custo menor que o de organicos, segundo a empresa, e muito menos e agua e fertilizantes, consegue cultivar plantas perto dos mercados (Divulgação)

“A devastação da floresta começa com a atividade madeireira, com retirada das árvores mais valiosas; posteriormente aquela área, muitas vezes grilada, é limpa com o chamado correntão, que vai levando toda a vegetação, para transformar em pasto; quando chega a infraestrutura que valoriza aquela terra, ela costuma ser vendida aos agricultores, muitos para o plantio de soja”, explica Virgílio Viana, superintendente da FAS (Fundação Amazonas Sustentável).

Para os defensores da atividade, a transformação do Brasil em celeiro do mundo é compatível com a preservação do meio ambiente. “O sujeito que está lá desmatando a Amazônia é um caso de polícia, não tem nada a ver com nosso agronegócio pujante, sustentável, baseado nas cooperativas e expansão das fronteiras agrícolas”, defende Francisco Jardim, CEO de um fundo de capital de risco que investe exclusivamente nas agritechs. “O agronegócio brasileiro é o grande mantenedor da paz mundial ao alimentar mais de 800 milhões de pessoas”, aponta, mencionando um estudo feito pela Embrapa publicado em março de 2021.

Na época da publicação do estudo, de autoria de Elísio Contini e Adalberto Aragão, mais de 19,1 milhões de brasileiros viviam com a fome. Levantamento publicado nesta semana já aponta que em 2022 são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer regularmente.

Monitoramento do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), ligado à UFAL (Universidade Federal de Alagoas), mostra que mesmo agora, ao final da época mais úmida, grande parte do Brasil apresenta grandes níveis de anomalia na umidade do solo.

Piracicaba, 25.mai.2022 – Nesta fazenda de confinamento, o gado e pesado cada vez que que se alimenta e bebe agua, aplicando a pecuaria a precisao da agricultura (Divulgação)

Áreas de Amazônia em Mato Grosso e Rondônia e de Cerrado em Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e o noroeste de São Paulo estão excepcionalmente mais secas.

São justamente áreas com expansão da agricultura irrigada, que pressiona lençóis freáticos e aquíferos quando realizada sem o estrito controle das autoridades, como explica o doutor em irrigação e recursos hídricos da UFU (Universidade Federal de Uberlândia) Hudson Carvalho.
Fazenda urbana

Uma das empresas fruto do investimento do fundo de Jardim é a Pink Farms. Controlando todas as variáveis que afetam as plantas, como clima, luminosidade, água e nutrientes em 100% do tempo, a startup fundada em 2019 consegue produzir hortaliças para mercados e restaurantes a poucos metros da poluída marginal Tietê e do maior centro de distribuição de alimentos da América Latina.

“Conseguimos produzir de maneira ultra local: estamos a menos de 500 metros do Ceagesp, então todo processo de logística é muito mais simples”, conta o engenheiro de produção Geraldo Maia, fundador da empresa. “O carro sai daqui direto pro restaurante, pessoa física ou lojista, liberando 90% do impacto ambiental por locomoção, distância e todo o desperdício gerado”.

Em suas prateleiras hidropônicas de 10 metros de altura, a agritech consegue uma produção 170 vezes maior que o campo tradicional sem uso de agrotóxico e economizando mais de 95% de água e 60% de fertilizantes.

“É um conceito muito mais interessante pelo quesito de produtividade e sustentabilidade, ao eliminar o uso de terras nativas, não temos necessidade de produzir aquele alimento em uma área que podia ser mata atlântica, por exemplo”, defende o empreendedor.

O cultivo da startup hoje é mais caro que o tradicional, mas segundo ele, mais barato que o orgânico. Constando junto ao Ministério da Agricultura como produtores rurais, a produção urbana troca camponeses por funcionários remunerados.

Piracicaba, 23.mai.2022 – Ao longo do doutorado na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), Ana Justiniano observou que uma bacteria era capaz de limpar solos contaminados com metais pesados — natural ou nao (Foto: Divulgação)

Enriquecimento com a floresta de pé

O mercado de créditos de carbono, criado em 1997 dentro da assinatura dos protocolos de Kyoto, não deslanchou até 2007, e no ano passado atingiu sua cotação máxima, em meio à COP 26. “Até o ano passado podia ser considerado mais rentável derrubar uma área da Amazônia ou Cerrado para plantar; hoje com essa alta já temos uma alternativa tão rentável quanto plantar, mas preservando toda a biodiversidade”, afirma David Escaquete, diretor comercial da BrCarbon.

Mais uma das expoentes do boom do Vale do Silício nacional, a startup nascida em Piracicaba se destaca pela dedicação exclusiva à preservação dos ecossistemas intactos, transformando as florestas em pé em fonte de renda para proprietários de terra e comunidades tradicionais.

“Hoje conseguimos dar uma alternativa para o grande proprietário nem sair do sofá de casa e ainda ganhar uma bolada com isso, sem contar o benefício de exposição ao gerar carbono zero, o que é muito vantajoso atualmente”, diz. Atuando em diversas frentes, o modelo de negócio mais rentável para a BrCarbon é oferecer aos proprietários de terra a gestão ambiental do espaço em troca de remuneração.

“Eu proponho o manejo de toda a área que for cedida, e isso inclui reflorestamento e controle para evitar queimadas ou novos focos de desmatamento, por 30 anos, vendendo os créditos de carbono resultantes desse manejo; metade do faturamento é da empresa, a outra, do dono concessionário”, explica.

Entre as inovações inerentes às agritechs, estão ferramentas de mensuração do estoque de carbono, como por exemplo um drone de última geração com sensor LiDAR (do inglês Light Detection and Ranging), tecnologia capaz de mapear uma floresta em três dimensões.

O dispositivo permite a contagem de árvores, o georreferenciamento, a medição indireta de altura, área e diâmetro de copas, a identificação e quantificação de clareiras, além da mortalidade de árvores. Esses dados são somados às informações coletadas em campo, conferindo maior confiabilidade e qualidade ao inventário florestal em projetos de carbono.

Apesar dos avanços de uma menor parte das startups na preservação ou renovação do ambiente para desenvolvimento agrário, o foco do país na produção de grãos que em grande maioria são exportados ou transformados em ração animal é questionado por observadores do setor agropecuário nacional.

Quase metade das mil agritechs mapeados pela plataforma do hub AgTech Garage foca na otimização do uso do solo, água, fertilizantes e agrotóxicos para aumentar a produtividade e eficiência de grandes culturas tradicionais. A agricultura de precisão tem como consequência menor impacto ao meio ambiente, apesar de não tê-lo como foco primário.

Para Bruno Bassi, coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas, é muito pouco. “Fala-se muito de tecnologia aplicada no campo, mas não estamos falando de tecnologia aplicada ao setor de bioeconomia, ao uso da biodiversidade brasileira, à exploração da biodiversidade brasileira para uma geração de renda que inclusiva para os povos do campo, comunidades tradicionais que são detentores desse conhecimento sobre o uso e benefício dos produtos da agroeconomia”, crítica.

“Estamos discutindo tecnologia para aumentar a produtividade de soja e milho, que levam eventualmente a um aumento de produtividade de boi, e precisamos discutir se queremos ser um celeiro que não produz tecnologia senão para estas culturas; eu pessoalmente não quero legar esse Brasil para as futuras gerações”.

As informações são do Yahoo.

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