Criador do termo ‘podcast’ prevê caos com a quebra da criptografia na internet

Desde que cunhou o termo “podcast” em 2004, o britânico Ben Hammersley escreveu livros a respeito de disrupção digital e se firmou como um requisitado palestrante e consultor sobre temas como cibersegurança, inovação e tendências no mundo do trabalho.

De seu apartamento em Nova York, Hammersley falou ao GLOBO, por videoconferência, a respeito do futuro e também de temas candentes do momento, como o poder das redes sociais, algo que ganhou destaque esta semana com dois eventos: a pane do Facebook, Instagram e WhatsApp e o depoimento de uma ex-funcionária do conglomerado de Mark Zuckerberg no Senado americano, onde comparou as plataformas à indústria tabagista.

O senhor é favorável a uma maior regulação das redes sociais por parte dos governos?

Regular as coisas que as pessoas dizem nas redes sociais é o começo de um caminho perigoso. Se defendermos a censura a quem diz mentiras sobre a Covid-19, ficará mais fácil para políticos insistirem na censura de quem os critica. Uma vez que a tecnologia da censura esteja montada, poderá ser usada para qualquer coisa.

O senhor defende deixar tudo como está?

Há algo errado quando a maioria das pessoas tem acesso a informações a partir de um número muito pequeno de plataformas digitais. Os algorítimos usados pelo Facebook e o YouTube para recomendar conteúdos parecem preferir temas prejudiciais. Seria mais saudável — literalmente, no caso da Covid — se as próprias plataformas se regulassem na forma como promovem e sugerem conteúdo.

Há muitos casos em que o sistema do Facebook distribuiu ativamente desinformação, o que acabou resultando em mortes por Covid, genocídio e crimes de ódio.

O senhor acredita que haverá algum tipo de regulação estatal sobre inteligência artificial (IA), que é alimentada por dados?

Sim, mas não pelas razões que pensamos sobre isso hoje. Há um belo discurso que diz que deveríamos ter a posse dos nossos dados. Há realmente informações que você pode decidir não compartilhar, por exemplo, seu nome, idade, crenças e inclinações políticas.

Mas essa é uma quantidade muito pequena. Você não pode ser o dono exclusivo de um dado sobre algo que comprou em uma loja, por exemplo. O estabelecimento também é parte dessa transação.

Na imensa maioria das vezes, IA hoje é entendida como máquinas capazes de prever o que virá a seguir. Na prática, é mais uma grande planilha de dados cruzados do que essas ideias mágicas de que os gigantes digitais serão capazes de se apossar da nossa individualidade e desvendar nossos desejos secretos.

Muita gente acredita que algorítimos tomam decisões isentas. O senhor concorda que eles também têm vieses?

Sim, algoritmos são projetados e desenvolvidos por seres humanos e não estão livres de vieses, preconceitos e crenças pessoais. Isso pode ser muito ruim e acredito que vá haver regulação. A tecnologia tem sido utilizada para tomar decisões, como conceder ou não empréstimos bancários, por exemplo.

As empresas devem ser capazes de explicar como e por que se chegou a uma decisão e ela deve ser passível de recurso. As empresas de tecnologia estão começando a perceber que precisam ter especialistas em ética.

Muitas previsões apontam para um boom de inovação nesta década — notadamente por causa de enormes investimentos em ciência e tecnologia. O senhor concorda?

A próxima grande inovação sempre será maior que a anterior. Então, por um lado, é verdade. Se pensarmos sobre as mudanças no mundo entre, digamos, 1890 e 1920, foram enormes. Entre 1930 e 1960 ou 1960 e 1990 também foram mudanças inacreditáveis.

Hoje falamos muito sobre tecnologia, mas as invenções da penicilina, avião, máquina de lavar, pílula anticoncepcional, ar-condicionado e geladeira mudaram o mundo muito mais do que o surgimento da videoconferência. Então, não seremos as únicas pessoas que já viveram em uma época em que as coisas mudaram radicalmente. Teremos inovações nos próximos anos de nível equivalente ao que foi a do avião ? Difícil dizer.

Quais mudanças seriam capazes de uma grande transformação?

Há um reator de fusão nuclear sendo construído no Sul da França (o maior do mundo, batizado de Reator Internacional Termonuclear Experimental ou Iter, na sigla em inglês) que está perto de se tornar viável. No momento em que tivermos isso, poderemos pegar água do mar e transformá-la em eletricidade. Caso aconteça, mudará o mundo completamente da noite para o dia.

Teremos a fonte de energia elétrica infinita. Com ela, removeríamos o carbono da atmosfera e, de repente, os combustíveis fósseis se tornariam inúteis. Quando você fala com os cientistas envolvidos no projeto, eles dizem que isso seria possível em dez anos.

O que mais poderá mudar radicalmente nesse prazo?

Quando tivermos computação quântica escalável e capaz de quebrar a criptografia conhecida pela sigla RSA, amplamente usada na internet, vai ser um dia emocionante. Isso deve ocorrer nos próximos dez anos e poderá ter enormes efeitos colaterais para as empresas e para as pessoas.

Já há companhias de segurança cibernética criando criptografia à prova de computação quântica e começando a implementá-la.

O senhor coloca as mudanças climáticas no seu cenário de curto prazo?

Sim. É preciso que a água do mar esquente para que surjam furacões. Na Costa Oeste da América, perto de Los Angeles, ainda não está quente o suficiente, mas está esquentando. Nos próximos 10 ou 20 anos a temperatura vai subir o bastante para que furacões atinjam as praias de Los Angeles — e isso promete ser bastante devastador.

Como será o futuro do trabalho?

Quando uma empresa hoje pede para um funcionário voltar ao escritório, está pedindo também para que ele gaste tempo no trânsito, volte a usar sapatos e gastar dinheiro com almoços caros. As companhias que hoje fazem as coisas mais interessantes são as que não querem voltar para o mundo igualzinho ao do antes da pandemia.

Talentos vão preferir empresas com regime flexível de trabalho. O sofrimento imposto pela pandemia fez com que muita gente reavaliasse a vida e começasse a priorizar a família, a saúde mental, o essencial. A vida é muito curta, não é mesmo?

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