Após chip de Elon Musk, saiba como implantes cerebrais já estão sendo usados de verdade

Bilionário anunciou que sua companhia dedicada à tecnologia inseriu pela primeira vez seu implante cerebral num humano – e que ele conseguiu mover um mouse apenas com o pensamento

chip cerebral neuralink

Implante cerebral de Elon Musk promete conexão com dispositivos eletrônicos pelo pensamento. — Foto: Divulgação / Neuralink

O bilionário Elon Musk – dono de empresas como Tesla, X (antigo Twitter) e SpaceX – anunciou que a Neuralink, sua companhia dedicada a interfaces cérebro–computador (BCIs, da sigla em inglês), inseriu pela primeira vez seu implante cerebral num humano nos testes clínicos – e que ele conseguiu mover um mouse apenas com o pensamento. A notícia, como toda relacionada ao magnata, gerou rapidamente uma repercussão nas redes sociais.

O objetivo inicial da Neuralink, assim como de outras empresas e cientistas focados em BCIs, é permitir que um indivíduo com uma forma de paralisia grave consiga se comunicar por meio do pensamento. Para isso, um aparelho – no caso de Musk, o implante – registra a atividade cerebral e a decodifica para controlar um computador, um braço robótico, um celular ou outros dispositivos pela mente.

No entanto, o próprio Musk, durante o lançamento da Neuralink, em 2019, deixou claro que seu objetivo final é ir além: “em última instância, e isto vai parecer muito estranho, conseguir uma espécie de simbiose (do homem) com a inteligência artificial”, falou. Especialistas, no entanto, acreditam que o discurso do bilionário, de oferecer a inovação até para pessoas sem problemas de saúde para que consigam controlar dispositivos pela mente, por enquanto está mais perto da ficção.

— O meu grande problema é quando começam a dizer que vai ter chip em pessoas sadias, que as pessoas vão jogar videogame com um implante, que vão aprender física, o que nunca vai acontecer. Até pensando em viabilidade econômica, isso não existe, vai custar uma fortuna cada um deles. E os órgãos regulatórios jamais vão permitir em pessoas normais sem algum tipo de lesão, os riscos são muito mais graves, de infecção, de rejeição, se parar de funcionar, não podemos tirar de lá — diz Miguel Nicolelis, professor emérito do departamento de Neurobiologia da Universidade Duke, nos EUA, presidente do Nicolelis Institute for Advanced Brain Studies e um dos pioneiros no desenvolvimento de BCIs.

Rogério Panizzutti, doutor em Neurociências e professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acrescenta que, embora as promessas de Musk sejam muitas e a expectativa seja alta, até agora não há informações sobre o seu implante conseguir fazer algo que outros testados no passado já não tenham feito.

— Se o chip conseguir uma leitura refinada da atividade cerebral em humanos, hipoteticamente seria possível algo novo, como compartilhar informações. Mas ainda estamos arranhando a superfície desse assunto. Tem muito entendimento que falta sobre ondas cerebrais. O que está se propondo não é fácil e vamos ter que pensar sempre em relação custo benefício. Vai demorar muito para termos uma segurança tão grande a ponto de justificar colocar um chip dentro do cérebro de uma pessoa para somente uma maior praticidade no dia a dia — diz ele, que é diretor do Laboratório de Neurociências e Aprimoramento Cerebral (LabNACe).

Para Polyana Vulcano de Toledo Piza, neurologista e coordenadora do Programa de Especialidades Clínicas do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, apesar dos entraves iniciais, a tendência é que a tecnologia eventualmente avance para um ponto em que se começará a falar sobre o uso de BCIs por pessoas saudáveis. Mas lembra que existirá ainda uma questão ética que será imposta quando esse momento chegar:

— O começo do desenvolvimento é sempre para quem precisa da tecnologia para recuperar atividades. Mas seria ético melhorarmos algo de alguém que não precisa? Mesmo que isso se torne possível, precisaremos entender o que é ético fazer em relação ao ser humano, uma discussão muito mais profunda. É justo que pessoas com condições financeiras tenham uma melhora de habilidades cerebrais por conseguirem arcar com um implante? Precisarão existir regras, limites.

Interfaces cada vez mais próximas

Enquanto isso, para pessoas com paralisias que impedem a comunicação e a autonomia no dia a dia, a tecnologia não apenas é importante, como está cada vez mais próxima. Nesse sentido, o chip de Musk é sofisticado (tem 1.024 eletrodos distribuídos em 64 fios), mas há outras empresas e cientistas que já alcançaram, em algum grau, essa integração do cérebro com a máquina.

— A BCI foi um conceito desenvolvido no final dos anos 90. Logo em 2004, já fizemos a primeira demonstração em seres humanos. Implantamos eletrodos numa parte profunda do cérebro de pacientes com Parkinson que estavam sendo operados e demonstramos que eles eram capazes de controlar uma mão virtual usando o pensamento. A Neuralink usa a mesma estratégia, o avanço é apenas a compartimentalização num microchip e uma conexão bluetooth, que também não é nova — afirma Nicolelis.

Em janeiro do ano passado, por exemplo, uma empresa americana chamada Synchron publicou na revista científica JAMA Neurology os resultados do acompanhamento de quatro participantes que receberam um implante como o da Neuralink, mas menos invasivo, já que não demanda uma cirurgia cerebral, um ano antes.

O chip, chamado de Stentrode, é endovascular, colocado por meio da veia jugular como uma espécie de stent. O implante não causou danos nesse tempo curto de avaliação, como coágulos ou déficits neurológicos, e permitiu que cada voluntário, que sofria com esclerose lateral amiotrófica (ELA), controlasse com sucesso um computador pelo pensamento.

Eles conseguiram enviar mensagens de texto, de e-mail, administrar finanças pessoais, realizar compras on-line e comunicar a necessidade de cuidados. Um deles se tornou a primeira pessoa no mundo a postar no X (antigo Twitter) usando apenas a mente: “Não há necessidade de pressionar teclas ou vozes. Eu criei este tweet apenas pensando nisso. #olámundoBCI”, escreveu.

Com informações do Jornal O GLOBO.

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