‘WitchTok’: o novo fascínio pela astrologia e o ocultismo na era do Tiktok

Numa noite de agosto, centenas de pessoas usaram uma caneta marca-texto para escrever o maior desejo de cada uma em uma folha de louro. Em seguida, elas botaram fogo nas folhas de louro, deixando as cinzas caírem em uma tigela.

Destinado a manifestar os objetivos das pessoas em suas vidas, esse ritual é um dos muitos que têm circulado no aplicativo de mídia social TikTok nas últimas semanas. Vídeos de rituais, feitiços, cristais de cura, leituras de cartas de tarô e previsões astrológicas têm acumulado milhões de curtidas e atraído um número incontável de espectadores curiosos.

Os rituais que prosperam na TikTok têm muitos nomes, como “WitchTok”, “SpiritualTikTok” e “AstrologyTikTok”. Os nomes são uma espécie de abreviatura, já que as práticas compartilhadas entre os seguidores se originam de uma infinidade de religiões, filosofias e culturas. E têm em comum despertar um fascínio pelo desconhecido e pelo irreconhecível.

“WitchTok” e ocultismo em alta

O desejo crescente de encontrar um significado espiritual em práticas ocultas não está confinado às redes sociais: médiuns e astrólogos também viram suas bases de clientes aumentarem exponencialmente durante a pandemia.

Jade Sykes, astrólogo dos cantores de R&B SZA e Kehlani, disse à CNN que ganhou 5 mil novos assinantes na plataforma Patreon desde o início da pandemia. Embora a astrologia seja tipicamente associada a características de personalidade e compatibilidades das pessoas, Sykes destaca que se trata de uma disciplina muito mais complexa, pois estuda o movimento dos planetas e estrelas em relação à Terra. Muitas pessoas confiam nas previsões astrológicas para tomar grandes decisões e obter uma visão do futuro.

Meredith Grubb, uma médium com vários vídeos virais no TikTok, contou ter feito milhares de leituras astrológicas e estar com a agenda cheia de reservas até janeiro. O aumento de interesse permitiu que ela começasse a usar a atividade profissionalmente.

“Nunca foi minha intenção abrir um negócio. Minhas intenções eram ajudar a humanidade e ser capaz de compartilhar isso com o mundo. Foi aí que realmente começou”, contou Grubb.

Para alguns, buscar a visão astrológica é uma rotina diária. O app de astrologia Co-Star foi baixado 20 milhões de vezes (um download a cada quatro segundos nos Estados Unidos) sem nenhum investimento em marketing, disse um porta-voz à CNN.

Até mesmo a estética de várias práticas encontrou seu caminho para o palco principal. Cristais de cura e imagens ocultas se tornaram peças de decoração populares e símbolos de luxo. Ervas para limpar e proteger, quartzo rosa para ajudar nos relacionamentos românticos e velas para selar um feitiço são artisticamente exibidas na rede de lojas Etsy e em butiques cosmopolitas.

Kemi Mani, que dirige uma conta de sabedoria espiritual no Twitter, viu seu número de seguidores saltar de 50 mil para 300 mil durante a pandemia. Segundo ela, o estudo e as práticas ficaram mais acessíveis, embora o relacionamento de muitas pessoas com a astrologia seja superficial – o que pode ser conferido nas interações com memes da astrologia no Twitter.

“As pessoas se interessam e se envolvem com a astrologia, porque ela desperta uma nova consciência. Quando você está em casa sozinho, os espaços espirituais acabam preenchendo esse vazio. Eles oferecem uma conexão com o mundo para você ver além da matéria.”

As pessoas se voltaram para práticas espirituais e astrologia em tempos difíceis ao longo da história

A ligação entre espiritualidade e incerteza é tão antiga quanto a própria humanidade. Para James Alcock, um professor de psicologia na Universidade York que estuda crenças parapsicológicas, as pessoas buscam o espiritualismo em tempos de turbulência. O interesse pelo oculto já estava aumentando nos Estados Unidos antes da pandemia, nota Alcock, por causa do clima político caótico e de questões existenciais como a mudança climática, que está assombrando a consciência global.

A conselheira espiritual Kemi Mani usa um diapasão durante sua prática
Foto: Cortesia Jorge Asfeita

“Essa ansiedade clama por algum tipo de resposta sobre o futuro e [o ocultismo] fornece isso”, disse Alcock. “Quando você vai a um consultor de tarô ou a um vidente, ou mesmo quando dá uma espiada em seu horóscopo, pode não obter previsões precisas sobre o futuro, mas vai se reconfortar de alguma forma”.

Além de isolar as pessoas umas das outras, a pandemia abalou a estabilidade mental de muitas delas, levando-as a questionar suas escolhas de carreira, prioridades e seu lugar no mundo, observou Ian Anthony Waller, doutorando na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara. Participar de rituais como astrologia ou tarô oferece uma chance de recuperar a estabilidade perdida.

“Você passa a conhecer melhor a si mesmo e a pessoa com quem está conversando”, opinou Waller. “É cósmico, uma conversa sobre quem você é em relação ao resto do universo”, acrescentou.

Como a quantidade de norte-americanos que pratica ativamente a religião tradicional caiu, muitos que se sentiam rejeitados por essas religiões acabaram encontrando seus lugares em práticas alternativas.

Kirah Tabourn, um astrólogo com mais de 25 mil seguidores no Instagram, ajudou a fundar a Fresh Voices in Astrology, que hospeda webinários mensais para mostrar a diversidade na astrologia. Ela disse que muitas das pessoas com quem trabalhou nessa organização são estranhas ou não binárias e encontraram uma conexão verdadeira com o lado espiritual da astrologia.

“Muitas pessoas entram na astrologia em busca de autoaceitação”, disse Tabourn. “É também uma maneira de tratar de alguma experiência marginalizada de uma forma que pode ser muito útil e curativa”.

O doutorando Anthony Waller conta que as práticas ocultas também são em geral dominadas por mulheres, porque elas se interessam mais em ganhar poder sobre seus relacionamentos espirituais.

“As mulheres disseram que conseguiram esse poder ao dispensar intermediários, que geralmente são homens. Uma mulher cristã, por exemplo, está sujeita à influência do pai, do padre ou do pastor para transmitir a palavra de Deus. Com a astrologia, porém, assim como com a bruxaria e o tarô, há um tipo de elemento de adivinhação que não é mediado por ninguém”.
“WitchTok” e outras práticas espiritualistas também podem ir longe demais no uso de tradições de outras culturas

Cristais, sálvia, ervas sagradas, encantamentos: os aspectos materiais do ocultismo apelam bastante aos sentidos e têm a tendência de se apropriar das tradições de outras culturas, nem sempre de maneira respeitosa.

“Quando as pessoas começam a se envolver com astrologia, tarô e espiritualidade podem achar que são tudo uma coisa só, sem perceber que se tratam de abordagens discretas, mas diferentes, para se envolver com o mundo, ou se envolver fora dos limites do materialismo científico”, pontuou Diana Rose, que é astróloga, leitora de tarô e empresária.

Por exemplo, a sálvia branca, uma planta frequentemente usada para práticas espirituais, é importante para as tradições indígenas norte-americanas. Usá-la sem o devido conhecimento ou respeito é considerado apropriação cultural por muitos na comunidade. Quando a loja de beleza Sephora passou a vender um “kit inicial de bruxa” com um pacote de sálvia branca, a escritora Adrienne Keene apontou que as práticas espirituais nativas são frequentemente suprimidas, e a venda de partes dessas mesmas cerimônias revelou o que ela considerava um padrão duplo.

Da mesma forma, muitos negros populares no WitchTok expressaram suas frustrações em relação aos não-negros usando hoodoo, uma prática espiritual afro-americana (não deve ser confundida com vodu).

“A apropriação cultural ocorre quando práticas são adotadas de forma a contrariar diretamente as preferências declaradas das pessoas que pertencem àquela cultura”, disse Rose. Segundo ela, há mais tons nessas conversas, e o objetivo não é apenas manter certas práticas longe de outras comunidades.
Práticas sempre farão parte de como as pessoas entendem o mundo

Para alguns, o interesse em astrologia e outras práticas ocultas tem a duração de um vídeo de TikTok de 30 segundos. Para outros, o ato de queimar ervas ou olhar para as estrelas em busca de respostas faz parte de uma identidade cultural mais profunda. Faz parte de seu estilo de vida ou de sua religião.

O que une essas várias experiências é o desejo de se conectar uns com os outros, e tocar partes de nossa existência que não podem ser compreendidas ou controladas. Por meio de novos canais, essas ideias antigas estão fornecendo às pessoas maneiras de iniciar conversas e se envolver socialmente com introspecção.

E, mesmo que alguém não acredite racionalmente que queimar uma folha de louro com a palavra “felicidade” escrita mudará suas vidas, ainda pode haver um poder positivo em fazer algo – qualquer coisa – para dar sentido a tudo.

As informações são da CNN.

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