Chega de alarmes de hora em hora, notificações de aplicativos com alertas sobre a sua hidratação e post-its espalhados pela casa com lembretes da necessidade de beber água constantemente. Criadores de conteúdo do TikTok nos Estados Unidos começaram uma trend prometendo tornar a experiência de beber água mais agradável e saborosa.
Por meio da hashtag “Water of The Day” (Água do Dia, traduzido do inglês), eles compartilham “receitas” de água saborizada por produtos artificiais, que dariam ao líquido um sabor mais palatável e uma aparência mais chamativa. Especialistas, no entanto, alertam sobre os riscos dessa prática na hora de se hidratar.
Entenda a trend
Os mais de 9 mil vídeos postados usando essa hashtag seguem a seguinte fórmula: os criadores colocam uma grande quantidade de água em um copo com bastante gelo e adicionam xaropes e pós flavorizantes artificiais, com sabores que vão desde morango e maçã até caramelo salgado, algodão doce e “sonhos de unicórnios”. Eles ainda adicionam glitter comestível e outros confeitos para incrementar o visual da bebida.
O TikToker Joseph Anthoni, natural do Texas, Estados Unidos, embarcou nessa tendência e hoje faz parte do “WaterTok”, o nicho criado dentro do aplicativo para criadores que produzem esse tipo de conteúdo. Joseph produz vídeos, alguns com mais de 5 milhões de visualizações, mostrando o passo a passo de suas misturas caseiras de água com saborizantes com gosto de chiclete, glacê de bolo, lavanda, oceano, mirtilo, e combinações inspiradas em personagens como o Coringa e o Incrível Hulk.
Focado em produzir vídeos para viralizar no aplicativo, como resenhas de sabores estranhos de picles e tutoriais para a produção de slime, Joseph recebe muitas críticas nos comentários de seus vídeos, especialmente naqueles que se encaixam nas categorias do WaterTok. Grande parte dos usuários que comentam nos vídeos esbravejam: “Isso não é água de verdade”.
Lidando com as mesmas críticas, Tonya Spanglo é considerada a precursora das “receitas” inusitadas de água saborizada, que são compartilhadas em seu perfil no TikTok, denominado @takingmylifebackat42. Hoje com mais de 1,3 milhão de seguidores, Tonya compartilha os detalhes da sua jornada de emagrecimento, iniciada em 2019 por meio de uma cirurgia bariátrica, seguida pelo uso de medicamentos como o Ozempic e pela realização de dietas restritivas.
Com o seu primeiro vídeo usando a hashtag “WaterTok” publicado em fevereiro de 2022, Tonya acumula atualmente mais de 200 variedades de “receitas” de água saborizadas que foram postadas. Para não fugir da dieta, ela faz questão de ressaltar que os flavorizantes usados são zero calorias, zero colesterol e zero gorduras saturadas. Portanto, essa seria uma opção para pessoas como ela, que querem perder peso, mas precisam de um estímulo a mais para se hidratar. Ou será que não?
A pressão dos 2L diários
Cerca de 70% da composição do corpo humano é água. Sendo assim, manter-se hidratado é fundamental para o bom funcionamento do organismo. Os supostos benefícios do consumo da quantidade adequada de água todos os dias seriam aparentemente infinitos, partindo desde a melhoria da memória e da saúde mental ao aumento da energia e mudanças na aparência.
Por esse motivo, a maioria das recomendações de saúde e bem-estar afirmavam por muitos anos que as pessoas deveriam beber dois litros de água por dia, mas essa percepção foi flexibilizada com o tempo. Uma visão mais realista, difundida entre os especialistas hoje em dia, afirma que essa quantidade pode mudar de acordo com o peso e a rotina de cada um, existindo um cálculo mais preciso cujo resultado se aproxima da quantidade ideal: bastaria multiplicar o peso corporal do paciente por 35 ml.
Já outros estudiosos, como o nefrologista Joel Topf, professor de Medicina na Universidade de Oakland, em Michigan, nos Estados Unidos, defende que novas condições, como a temperatura externa, a quantidade de suor e o estado geral de saúde do indivíduo, precisam também ser levadas em conta.
Independentemente da quantidade exata, o simples ato de aumentar o consumo diário para valores mais próximos do ideal pode ser visto como um desafio para pacientes que procuram adotar um estilo de vida mais saudável, segundo a nutricionista clínica Gabriela Ghedini.
— Beber água é mais um hábito que precisa ser construído e ser mudado para alcançar o bem-estar. É uma conquista e uma reeducação para o paciente que exige mudança, então é preciso ter calma — ela afirma.
Para quebrar a resistência inicial de alguns pacientes que relatam sentir enjoos e incômodos ao consumir água, ela sugere a ingestão de chás e opções de água saborizada com ingredientes naturais, como rodelas de laranja, limão, folhas de hortelã e pedaços de gengibre. Mas, é necessário evitar bebidas ricas em açúcar, como refrigerantes e sucos processados.
— Essas bebidas não trazem nenhum benefício para a saúde, porque a gente sabe que o açúcar em excesso pode ser um ingrediente altamente prejudicial. A insulina, que é responsável por carregar o açúcar pelo nosso sangue, funciona a partir de estímulos. Se o paciente beber constantemente uma bebida com muito açúcar, ele terá uma insulina superestimulada o dia todo e a pessoa que tem essa prática vai ficar cada vez mais dependente dessa substância — a nutricionista alerta.
Saborizantes diets
No entanto, os produtos flavorizantes usados por criadores no WaterTok, de fato, não têm açúcar descrito em suas tabelas nutricionais. Então, permanece a pergunta: de onde vem o sabor atraente dos pós e xaropes adicionados na água?
Após uma análise dos ingredientes, descrita em ordem decrescente de proporção e peso, é possível observar a prevalência de dois componentes artificiais: o aspartame e a maltodextrina, responsáveis por conferir o gosto adocicado ao produto final.
O aspartame é um adoçante sintético derivado da combinação de dois aminoácidos: a fenilalanina e o ácido aspártico, de onde vem seu nome, que fazem parte da composição das proteínas. Esse aditivo alimentar é considerado um composto de baixa caloria. O seu valor energético é semelhante ao do açúcar (4 kcal/g), mas o seu poder adoçante é 200 vezes superior, o que significa que é necessária uma quantidade muito menor para obter um sabor comparável.
Atualmente, estima-se que 200 milhões de pessoas em todo o mundo o consumam regularmente. Esse ingrediente é encontrado em milhares de bebidas, sobremesas, laticínios e produtos hipocalóricos, como os flavorizantes usados no WaterTok, sob o rótulos de produtos “diet” ou “0%”, explica Tarcila Ferraz de Campos, nutricionista da Sociedade Brasileira de diabetes.
— O aspartame não adiciona calorias e carboidratos na composição do alimento ou da bebida, o que pode favorecer a sua classificação como “light”, mas não deixa de ser uma molécula artificial e, portanto, não essencial. Por isso, não falamos tanto sobre os benefícios de consumir aspartame: ele deve funcionar como uma estratégia nutricional de substituição para pacientes que têm dificuldade de controlar a quantidade calorias e carboidratos que consome — ela esclarece.
Já a maltodextrina é um carboidrato de alto índice glicêmico, ou seja, tem absorção rápida e leva a um pico de açúcar na corrente sanguínea. Muito utilizada por atletas com treinos de resistência com duração superior a uma hora, ela fornece energia de maneira rápida e pode ser comercializada como suplemento energético na forma de pó.
Caso seja consumida em excesso, a maltodextrina pode gerar um aumento da produção de insulina, causada pelos picos de açúcar após sua ingestão. Por isso ela não deve ser recomendada para diabéticos e pessoas que desejam perder peso, uma vez que também apresenta valor calórico, Tarcila adverte.
— Com a adição de saborizantes ricos em aspartame e maltodextrina, o paciente está mexendo nas características nutricionais da água. Essa prática não deve entrar na conta da água diária a ser consumida. O flavorizante pode não ter açúcar, mas tem em sua composição adoçantes e outras moléculas artificiais, como corantes. A água pura é insubstituível — a especialista argumenta.
Outra curiosidade é que a maioria dos criadores do WaterTok também dispõe de uma grande coleção de copos. O tipo usado varia de vídeo para vídeo, mas um em especial parece ser o favorito: o copo Stanley de 1,3L.
Para a nutricionista Gabriela Ghedini, a vantagem desses produtos está no tamanho e não na capacidade de preservar a bebida gelada por mais tempo.
— Realmente, esses copos podem acabar conservando um pouco mais a temperatura. No entanto, isso pouco importa, porque o ideal recomendado para a nossa energia interna é beber água em temperatura ambiente. O que acho super positivo é que quanto maior o copo, maior o seu condicionamento e adesão para conseguir tomar mais água. O nosso corpo não tem um reservatório de água grande, como uma caixa d’água, então devemos todo dia reabastecer o nosso tanque — a especialista recomenda.
Com informações do Jornal O GLOBO.