‘Tem suco de uva?’: bares de São Paulo criam códigos e treinam equipes contra assédio sexual

Lei aprovada em maio criou regras, como palavras-chave de alerta e ação rápida de funcionários, para evitar casos de violência contra mulheres

'Tem suco de uva?': bares de São Paulo criam códigos e treinam equipes contra assédio sexual

'Você não está sozinha': aviso está afixado em bar que treinou equipes para levar mulheres até delegacia (Foto: Edílson Dantas)

“Tem suco de uva?”. A pergunta feita no caixa de um bar de São Paulo é, na verdade, um pedido de socorro. É um código criado para que frequentadoras da casa, na Consolação, sinalizem a funcionários se forem vítimas de assédio ou violência sexual e peçam ajuda.

O combate a esses crimes por bares, restaurantes e boates de São Paulo passou a ser obrigatório por uma lei sancionada recentemente pelo prefeito Ricardo Nunes, em meio a um aumento da violência contra mulheres no estado — o primeiro trimestre registrou recorde de feminicídios e estupros.

No Drosophyla Bar, que usa a palavra-chave “suco de uva” como alerta, cartazes foram afixados no banheiro feminino para orientar as clientes sobre a estratégia e ainda sobre como agir se forem agredidas sexualmente ou se sentirem que podem ser vítimas. E as funcionárias — o staff é majoritariamente feminino — foram treinadas para identificar e atuar em situações que vão além do flerte comum.

— Bar é o lugar em que as pessoas marcam de ir, de se encontrar, precisamos também estar ligados nisso. Num momento em que as coisas andam tão violentas, são importantes essas ações para que as mulheres se sintam seguras e para que as pessoas não ataquem, sabendo que serão punidas — diz Lilian Varella, do Drosophyla Bar. — Só não se adapta quem não quer.

A nova lei municipal prevê a criação de uma série de medidas contra esses crimes, além de protocolos de acolhimento às vítimas. Ela se une a outra, estadual e sancionada em fevereiro, que amplia a responsabilidade dos estabelecimentos na identificação e inibição dessas situações de violência.

O treinamento das equipes é previsto pela legislação e passa pela capacitação para identificar, atender e acolher as mulheres. Os funcionários têm que estar preparados para, inclusive, conduzi-las a um transporte se necessário para que possam sair em segurança.

Gerente do Bar dos Arcos, no centro da capital paulista, João Salustiano já interveio em episódios de agressão.

— A garçonete estava atendendo uma mesa com um casal e sentiu que a mulher estava incomodada com a agressividade na fala do homem que a acompanhava. Na hora em que ele foi ao banheiro, a funcionária se aproximou para saber se a mulher precisava de algo — conta o gerente, acrescentando que a cliente no final contou com ajuda. — Ela agradeceu, mas depois deve ter pedido para ele se acalmar, e ele foi extremamente agressivo, começou a gritar. Nós o convidamos a se retirar do bar. Acolhemos a mulher e, depois que ele saiu, chamamos um transporte para que ela pudesse ir embora em segurança.

Nos fins de semana, com a casa mais cheia, a equipe fica mais atenta para identificar quando há desrespeito ao “não é não”.

— A capacitação passa por reforçar como podemos ler os sinais da mesa, entender via troca de olhares, pelo modo de falar. Também costumamos usar essas janelas em que a mulher está sozinha para nos aproximarmos, ou acompanhá-la até o banheiro, perguntar se está tudo bem — explica Salustiano. — A abordagem é de tentar ler o ambiente da maneira mais sutil possível, sem expor a mulher, mas também sem passar pano se algo estiver acontecendo.

Diversão em paz

Dependendo da situação, os funcionários se oferecem para acompanhar as vítimas à delegacia. Cerca de 70% do público do Bar dos Arcos é feminino, conta o empresário Facundo Guerra. Lá, além de observar os “dates”, há regras claras entre funcionários de não passar bilhetinhos entre mesas nem servir drinques oferecidos por homens a mulheres em outra mesa, sem consentimento.

Com informações do Jornal O GLOBO.

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