Sputnik V torna Rússia cobiçada no roteiro do “turismo da vacina”

A Rússia, que cobre parte do continente europeu e parte do asiático, engajou-se logo cedo na “corrida das vacinas” e lançou sua Sputnik V como nova moeda de influência diplomática, distribuindo doses por vários países e continentes, além de usá-la para imunizar sua própria população.

De olho nisso, uma agência norueguesa escolheu a Rússia como destino de pacotes de turismo da vacina, levando alemães para se imunizar. Por sua vez, San Marino, uma pequena nação entalhada na Itália, está usando doses da Sputnik V para proteger seus 29 mil cidadãos – e para atrair turistas.

Os vizinhos asiáticos, no entanto, não parecem tão entusiasmados em acelerar o ritmo da vacinação. Um holandês que se formou em Hong Kong e mora no Japão, que segue imunizando a passos lentos, acabou se vacinando em Singapura. A China, outra grande fornecedora de insumos e vacinas para o mundo, também não vem mostrando índices tão altos de vacinação.

Nesta série de quatro reportagens da CNN, mostramos como as pessoas vêm se movimentando entre fronteiras, em novas modalidades de deslocamentos, para buscar vacinas e mais saúde.

Destino: Rússia


Berço da Sputnik V, a Rússia se tornou o primeiro destino do programa chamado 3V — o “visits, vaccinations and vacations”, ou “visitas, vacinação e férias”, na tradução para o português — de uma agência de viagens norueguesa, a World Visitor.

O primeiro tour ocorreu em 23 de abril, com 50 turistas, na maior parte oriundos da Alemanha. De acordo com comunicado, a empresa se auto-intitula o “primeiro provedor mundial” desse tipo de turismo. E mesmo aqueles que não optem pela viagem com o intuito prioritário de serem vacinados, afirma a agência, receberão a oferta da vacina grátis durante a estadia.

“A Rússia oferece a Sputnik V gratuitamente. O turista só precisa pagar a taxa de acompanhamento em uma clínica privada – cerca de 200 a 220 euros. É possível se vacinar durante uma viagem de spa e bem-estar de 3 a 4 semanas [um dos pacotes oferecidos, que permite as duas doses] ou ir a Moscou em duas viagens curtas de 4 dias. Também é possível combinar as duas datas de vacinação e aproveitar as tão esperadas férias entre eles”, diz o site da agência.

“Todas as viagens já incluem uma consulta médica marcada pela agência em uma clínica aprovada pelo Ministério da Saúde da Rússia”, frisa o comunicado. É possível ter o atendimento em inglês ou em alemão.

Contudo, a possibilidade ainda está longe do alcance dos brasileiros. Como a própria empresa ressalta, as fronteiras russas estão abertas a viajantes vindos de poucos países (e com a necessidade de visto) – entre eles, Vietnã, Índia, Finlândia, Egito, Cuba e Alemanha.

De Pfaffenhofen, na Baviera, o estudante alemão Thomas Waller, 24, foi um dos 50 primeiros a embarcar na experiência russa. “A ideia surgiu quando a Alemanha interrompeu a AstraZeneca. Procurei na internet possibilidades para conseguir ser vacinado no exterior e vi a agência da Noruega. Imediatamente decidi ir”, lembra ele, que passou três semanas na Rússia e voltou para casa no dia 9 de maio. “Foram férias e viagem de aventura, com uma seringa no braço no começo e uma no fim.”

Um tour de 23 dias como o de Waller custa cerca de 3 mil euros (quase R$ 20 mil) mais passagens aéreas — o trajeto Berlim-Moscou, ida e volta, pode variar de R$ 3 mil a R$ 23 mil.

Para brasileiros, entretanto, o passaporte para o 3V está longe de ser realidade. Responsável pela agência russa Guinter Tour, o brasileiro Leonardo da Rocha é enfático. “A Rússia está fechada para brasileiros. Neste momento é impossível entrar no país”, diz.

Fundador da Bolshoi Tour, o brasileiro Henrique Alves Bordallo da Silva conta que tem sido abordado por agências brasileiras e turistas para viabilizar a ponte para a Sputnik V. “Como nosso foco de atuação são os turistas de língua portuguesa, fomos contatados por turistas de Angola, mas para eles também não é possível até o momento.”

Destino: Singapura


O publicitário holandês Marc Wesseling, 48, está há quase duas décadas na Ásia. “Fui direto da faculdade para Hong Kong. Logo depois, construí minha vida no Japão”, conta ele, que possui uma agência em Tóquio, com filiais no Sri Lanka, Singapura e Taiwan. “A Ásia é minha casa”, completa.

No QG na capital japonesa, Marc lidera uma equipe de 45 profissionais. Já na filial singapurense, a equipe é jovem e menor, com 15 integrantes, o que lhe demanda mais viagens para acompanhar de perto a produção por lá. Quando as fronteiras começaram a se fechar, o publicitário ficou no Japão. Mas, no abre-e-fecha internacional por conta das diferentes ondas de Covid-19 em cada país ao longo de 2020 e 2021, ele precisou apostar em cálculos como num jogo de xadrez, tentando antecipar quais rumos deveria tomar. “É pensar três movimentos à frente”, diz.

Do Japão para Taiwan, por exemplo, ele precisou considerar a rígida quarentena em uma das instalações do governo na capital, Taipei. De Taiwan para o Sri Lanka, conseguiu ajustar a quarentena em um resort na cidade de Colombo. “Viajar sempre é uma odisseia. Dias desses Singapura fechou de repente as fronteiras com o Nepal, por exemplo. Os governos estão enfrentando surtos em ritmos diferentes, simplesmente fecham. Todo dia você precisa ajustar e reajustar seus planos, é impossível pensar no longo prazo.”

Em abril, Marc precisou viajar a Singapura, onde desde 2016 também tem residência. “Já é uma quarentena mais tranquila, pois posso ficar na minha casa, não em hotel”, relata ele, que desembolsou o equivalente a R$ 6 mil na viagem. Embora esteja em casa, ele precisa usar um tipo de rastreador (tracker) na quarentena.

A princípio, a viagem era a negócios, diz. “A vacina foi um extra”, define o publicitário, que recebeu a primeira dose da Pfizer no fim de abril. Pensando três casas à frente, ele pretende tomar a segunda dose no fim de maio, depois visitar seus pais na Holanda (a quem ele não vê desde o início da pandemia) e voltar para o Japão no início de julho, por conta de campanhas de sua agência de publicidade para os Jogos Olímpicos.

“O calendário [de viagens] não é bem um projeto. Podemos chamar de sonho”, diz. “Espero uma luz no fim do túnel. Que todo mundo se vacine e, assim, a pandemia se aproxime do fim.”

Destino: San Marino

Micronação encravada na Itália, San Marino anunciou em 26 de abril um programa de turismo da vacina. O projeto decolou em 17 de maio, com uma ação coordenada entre os órgãos de saúde e de turismo, para oferecer a vacinação para turistas estrangeiros (exceto italianos).

Há condições, claro: as duas doses de Sputnik V custam 50 euros e o viajante é obrigado a pernoitar por pelo menos 3 noites consecutivas em um hotel de San Marino, duas vezes em um intervalo de 21 dias.

San Marino utilizou vacinas Pfizer e Sputnik V, principalmente a primeira – a russa ainda não é reconhecida pela agência reguladora da União Europeia.

Aos turistas, devem ser oferecidas as doses excedentes, as russas. No dia 10 de maio, o Fundo Russo de Investimento Direto, que financiou a Sputnik V, divulgou comunicado alardeando que San Marino está oficialmente imunizada e livre de Covid-19. “San Marino é o primeiro país – pequeno, é verdade, mas um país – a derrotar a Covid na Europa. Foram corajosos. San Marino é o exemplo, junto com Israel, de que a campanha de vacinação funciona”, disse o diretor-executivo do fundo, Kirill Dmitriev.

Bolha turística
Até 26 de maio, a Ásia foi o continente que mais administrou doses de vacinas contra covid-19 (53,05%) no mundo. Na sequência estão América do Norte (19,69%) e Europa (18,98%).

O alto índice do continente asiático é puxado por países gigantes: China, que já passou das 560 milhões de doses, e Índia, que está na casa de 198 milhões.

Entretanto, no detalhe, a situação varia drasticamente de país para país. Enquanto a China está com o surto sob controle e vive tempos de incentivo ao turismo doméstico (projetando 4,1 bilhões de viagens internas em 2021, um aumento de 42% em relação a 2020), a Índia atravessa um dos piores momentos da pandemia com recordes de infecções e mortes.

A Oceania é o continente que menos administrou doses de vacina (0,27%). Por enquanto, não há pressa. Austrália e Nova Zelândia estão ensaiando uma bolha turística entre os dois países, considerados modelos de controle da Covid-19.

As informações são da CNN.

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