Há 40 anos, eram relatados os primeiros casos de Aids nos EUA

Em 5 de junho de 1981, um relatório curioso apareceu no resumo semanal de saúde pública do Centro para Controle de Doenças (CDC): cinco jovens gays em Los Angeles haviam sido diagnosticados com uma infecção pulmonar incomum conhecida como pneumonia por Pneumocystis carinii (PCP) e dois deles haviam morrido.

Foi a primeira vez que a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) – o devastador estágio avançado da infecção pelo vírus HIV que viria a ceifar a vida de mais de 32 milhões de pessoas em todo o mundo – foi divulgada nos Estados Unidos.

Dias depois que o primeiro relatório chegou aos jornais, o CDC tomou conhecimento de mais casos entre homens gays. Os pacientes não apenas tinham PCP como também outras infecções secundárias, entre elas um câncer raro e agressivo conhecido como sarcoma de Kaposi (KS).

Cerca de um mês após o primeiro texto, a atualização no “Morbitiy and Mortality Weekly Report”, o boletim do CDC, registrava 26 homens gays em Nova York e Califórnia com os mesmos diagnósticos. O número aumentaria exponencialmente.

Este sábado, 5 de junho, marca o 40º aniversário dos primeiros registros de casos de Aids no país. Mais de 700 mil pessoas morreram nos Estados Unidos da doença desde então. Embora os avanços médicos tenham mudado drasticamente o prognóstico para pacientes com HIV/Aids, até hoje não há cura para a doença.

Ativistas pediram a resposta inicial

Os primeiros anos da epidemia de Aids foram uma época incerta e perturbadora.

As comunidades LGBTQ estavam perdendo amigos e entes queridos para a doença, um após o outro, sem saber como ou por quê. Durante todo o tempo, a sociedade parecia fazer vista grossa para a tragédia.

“Você consegue imaginar o que é perder 20 de seus amigos nos últimos 18 meses?”, Larry Kramer, famoso ativista da Aids e cofundador da Gay Men’s Health Crisis, disse em um entrevista de 1983 ao programa de TV “Today”.

“Sem causa, sem cura, pessoas em hospitais. A comunidade está com muita raiva”.

O governo do presidente Ronald Reagan deu pouca atenção à epidemia. Quatro anos se passaram antes que Reagan fizesse uma menção pública à Aids.

As conversas entre o assessor de imprensa de Reagan e repórteres em 1982 e 1983 indicam que as principais autoridades do país e a sociedade em geral viam a doença como uma piada e não como um assunto de grande preocupação.

A percepção era que a Aids era uma “peste gay”, uma condição que se acreditava estar ligada ao estilo de vida e comportamento de gays, embora também tenham sido relatados casos em mulheres, bebês, pessoas portadoras de hemofilia e usuários de drogas injetáveis.

Em uma entrevista publicada recentemente no “New England Journal of Medicine”, a pesquisadora da Aids Alexandra Levine falou sobre “o horror de testemunhar toda a sociedade dando as costas a esse sofrimento, o horror de ver como muitos dos meus próprios colegas se recusavam a ajudar, recusavam-se a cuidar, recusavam-se a agir como os profissionais que eram deveria ser”.

Como os políticos e entidades governamentais se mostraram lentos para agir, os ativistas assumiram as rédeas do tema, fazendo o que podiam para combater a homofobia e o estigma e garantir que suas comunidades recebessem as informações de saúde pública necessárias.

Entre esses esforços estava o panfleto de 1982 intitulado “Como fazer sexo em uma epidemia: uma abordagem”.

Criado por Michael Callen e Richard Berkowitz, o informe foi um dos primeiros a aconselhar homens gays a usar preservativos durante as relações sexuais com outros homens, de acordo com uma exposição do Biblioteca Nacional de Medicina. Embora os dois especialistas sejam considerados pioneiros do sexo seguro, muitos na comunidade gay na época criticaram seu trabalho como “sexo negativo”.

Organizações de gays e lésbicas negros, por sua vez, lutaram contra os pôsteres de campanha que traziam o conceito errôneo de que a Aids afetava principalmente homens gays brancos.

A mídia brasileira, especialmente nos primeiros casos de AIDS no Brasil, ajudou a estigmatizar a doença
Reprodução/Canto Produções

Os cientistas lutaram para entender
No início dos anos 80, o HIV/Aids era considerado uma sentença de morte.

Cientistas e médicos tentavam entender o que causava a doença e como ela se espalhava, tornando o processo de encontrar um tratamento ainda mais desafiador.

O doutor Anthony Fauci, que assumiu a direção do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas no auge da epidemia de Aids, refere-se a esse período de sua carreira como os “anos sombrios”.

“Passei de uma pessoa que atendia pacientes com outras doenças e desenvolvia curas e terapias adequadas para elas no início da minha carreira, para alguém que todos os dias cuidava de pessoas que inevitavelmente iriam morrer, geralmente em um curto prazo”, contou Fauci em uma entrevista recente à CNN.

Foi uma experiência vivida por muitos médicos que cuidaram dos primeiros pacientes com Aids: ter a sensação de não podiam fazer nada para parar o sofrimento.

“Era como colocar band-aids em hemorragias por um tempo”, acrescentou Fauci.

Na falta de tratamentos viáveis, Gerald Friedland, que trabalhou nos primeiros casos de Aids no Montefiore Medical Center, no Bronx, lembrou como se concentrou na empatia.

“O ataque violento de morte de rapazes e moças foi muito além dos ‘compromissos profissionais normais’ e era terrivelmente difícil”, contou em uma entrevista publicada recentemente no “New England Journal of Medicine”. “Mas aprendi como me tornar hábil em proporcionar às pessoas uma ‘morte decente’”.

As terapias no final dos anos 80 e 90
O quadro começou a mudar no final dos anos 80 e começo dos 90, à medida que terapias mais eficazes se tornaram disponíveis e transformaram o que significava viver com HIV.

Em 19 de março de 1987, a FDA, a agência reguladora de medicamentos e alimentos nos EUA, aprovou um medicamento antirretroviral conhecido como AZT para tratar a infecção pelo HIV.

Outra mudança importante também aconteceu naquele ano.

Após a pressão de ativistas que lutavam pela sobrevivência de suas comunidades, a FDA emitiu novos regulamentos para ensaios clínicos de drogas. Isso deu aos pacientes acesso a terapias experimentais que podem salvar vidas, sem ter que esperar anos pela aprovação da agência oficial.

No final dos anos 80 e 90, a percepção pública do HIV/Aids também estava começando a mudar, graças em parte a ativistas muito conhecidos e celebridades.

Um desses ativistas foi Ryan White, um adolescente de Indiana que contraiu Aids em 1984 por meio de agulhas contaminadas ao se tratar para hemofilia. Ele sofreu discriminação em sua comunidade após o diagnóstico, sendo impedido de entrar na sua escola, onde cursava o ensino médio.

Ao falar publicamente sobre suas experiências e ter sua família lutando por tratamento na justiça, o rapaz se tornou uma das primeiras faces públicas da doença.

A zidovudina 9AZT) foi a primeira droga aprovada para o tratamento da infecção do VIH/SIDA (Foto: Divulgação)

A princesa Diana também foi fundamental para quebrar estigmas e mitos em torno da doença, sendo fotografada visitando pacientes com HIV/Aids em enfermarias de hospitais e cumprimentando-os sem luvas.

Em 1991, a estrela da NBA Earvin “Magic” Johnson revelou que tinha sido diagnosticado com HIV. Sua identidade de homem negro heterossexual ajudou a demonstrar que qualquer pessoa pode contrair a doença.

Outro avanço científico veio em 1996, quando a FDA aprovou os primeiros inibidores de protease. Com isso, entrou em uso o que é conhecido como terapia antirretroviral altamente ativa (HAART na sigla em inglês), transformando o HIV/Aids de um diagnóstico fatal em uma condição controlável.

“Agora estamos dando medicamentos para pessoas que vivem com o HIV. Isso não apenas os salva e lhes dá uma vida essencialmente normal, mas também pode evitar que infectem outras pessoas”, disse Fauci à CNN em 1º de junho.

Richard Chaisson, um médico que ajudou a liderar a luta contra a Aids no Hospital da Universidade Johns Hopkins nos anos 80 e 90, descreveu o sentimento ao “New England Journal of Medicine”.

“O desespero mudou para esperança. A esperança mudou para crença e a crença mudou para alegria”, lembrou. “Muitos pacientes voltaram para casa depois de viver no círculo dos condenados e passaram a ter uma vida quase normal”.

Em 2010, os pesquisadores anunciaram mais um desenvolvimento empolgante: um estudo descobriu que tomar uma dose diária de medicamentos para o HIV reduzia o risco de infecção para homens que fizeram sexo com outros homens.

Em 2012, a FDA aprovou o uso da profilaxia pré-exposição (PrEP) para adultos com alto risco de infecção – um dos marcos mais significativos da epidemia.

Mesmo com os novos tratamentos para HIV/Aids tornando o diagnóstico mais controlável e até mesmo ajudando a prevenir a infecção, os desafios de saúde pública permanecem.

Cerca de 1,2 milhão de pessoas nos EUA viviam com HIV no final de 2018, de acordo com o CDC.

Existem disparidades no acesso ao tratamento. Negros e hispano-americanos são afetados desproporcionalmente pelo HIV. A resistência aos medicamentos para HIV/Aids também se tornou cada vez mais comum.

Alguns pesquisadores e médicos começaram a desviar sua atenção e esforços para outras áreas após o fardo dos primeiros anos, de acordo com o “New England Journal of Medicine”. E, apesar de os EUA estabelecerem uma meta em 1997 de encontrar uma vacina contra o HIV dentro de 10 anos, quatro décadas depois, ainda não há vacina ou cura para a doença.

As informações são da CNN.

Sair da versão mobile