Dating burnout: o ranço provocado por apps de paquera como o Tinder

Cansaço que muitas pessoas sentem em relação a esses programas ganhou nome e ele pode estar estragando a nossa capacidade de investir no amor

Dating burnout: o ranço provocado por apps de paquera como o Tinder

(Divulgação)

O tatuador Julio Cesar Abreu, de 37 anos, do litoral paulista, tem uma palavra para definir a sensação que acomete boa parte dos usuários frequentes de aplicativos de paquera: ranço. Apesar de já haver engatado dois namoros com a ajuda da ferramenta, no início de 2022, ele estava cansado de papo furado. “Era sempre a mesma conversa, dava para fazer Ctrl+C e Ctrl+V em todas. Você precisa ser diferente, mas é complicado fazer isso por escrito. Acabava me desdobrando em dois. Cansei”, desabafa.

Antes de chegar a esse ponto, ele investiu até nas cantadas do tipo sci-fi. “Quando dava ‘match’, já engatava uns absurdos, como: ‘Moça, um pombo do futuro me mandou falar com você’. Às vezes dava certo.” Mas isso não foi suficiente para convencê-lo a continuar explorando a criatividade com os apps.

O ranço descrito por Abreu ganhou até nome: “dating burnout” (o burnout de encontros), e se reflete nos dados de uma pesquisa realizada pelo aplicativo Happn. De acordo com os resultados, 81% dos usuários brasileiros passam mais tempo dando curtidas do que investindo em conversas. E mais: 71% afirmam sentir ansiedade ou medo de estar perdendo algo quando não estão conectados aos aplicativos, sensação conhecida como FOMO (do inglês, “fear of missing out”).

Além de fadiga e ansiedade, outro sintoma comum do fenômeno é a normalização de atos que seriam considerados falta de cortesia fora do ambiente virtual, como o sumiço total no meio de uma conversa em andamento, o chamado “ghosting”.

Ghosting

Para a pesquisadora paulistana Mariana Vicente, 36, os chás de sumiço foram a gota d’água. “Eu sempre empregava um esforço enorme para não levar uma conversa com clichês. Mas isso também era uma pressão gigante, porque ficava pensando no que fazer para não acabar rotulada. Quando comecei a dar ghosting, entrei em uma crise ética, porque achava mancada”, confessa.

“Estava aberta ao mercado de flerte, e não queria me desumanizar. Pensei que daria conta, mas, quando me vi chegando do trabalho, sentando no sofá e passando horas em alternância de Tinder, Bumble e Inner Circle, percebi que estava me transformando em um chatbot.”

O professor Christian Dunker, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, conta que o ghosting é um tema constante nos consultórios. “Aprendemos a bloquear em vez de dizer tchau. Isso é ruim para os dois lados, porque não organiza o pacto simbólico que inicia e encerra relações”, explica.

“Temos cadáveres insepultos que, de repente, surgem para dizer ‘oi’. Ué, mas não tinha dado ghosting? A pessoa começa a se indignar com a máquina, acha que existe algum truque de algoritmo que permitiu essa impessoalização. Mas ela também se deixou impessoalizar pela máquina. Se você não sabe usar caneta e papel para escrever uma bonita carta de amor, não adianta reclamar de que o carteiro é sacana.”

A psicóloga Adriana Nunan, coautora do livro “Relacionamentos Amorosos na Era Digital” (Editora dos Editores), lembra que nem sempre o processo se mostra simples. “Já vi casos de pessoas que tentaram terminar a conversa de forma gentil, e o outro acabou revoltado”, conta. “Aí a pessoa vai pensar que é mais fácil dar o ghosting mesmo, para evitar o estresse. Reagimos muito mal à rejeição, mas quem está nesses apps deve ter muita resiliência, porque a rejeição vai acontecer.”

Segundo Adriana, o dating burnout pode impactar de forma profunda a saúde mental. “É possível gerar uma sensação de que você não é interessante, de que nunca vai encontrar alguém legal, de que não merece ser amado, de que todos estão felizes e com famílias lindas menos você. Então, o usuário acaba se isolando”, explica a psicóloga.

Com informações da GQ.

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