Cantora e digital influencer afegã fala sobre medo de sair de casa em tempos de Talibã

“Sou afegã, cantora, ativista e atleta. Nasci em 1998 na província de Ghazni, mas cresci em Quetta, no Paquistão. Minha família toda está lá. Há quatro anos moro sozinha em Cabul. Sou uma mulher solteira no Afeganistão.

Quando nasci, minha família teve que fugir do país devido à guerra do Talibã. Sabemos bem o que este regime impõe a nós. O Talibã tratou os afegãos como assassinos e as mulheres eram apenas suas escravas, nada mais.

Em 2019 participei de um programa de TV de música afegã, o ‘Afghan Star’. Depois disso, ganhei muitos seguidores nas redes sociais. As pessoas pareciam gostar do meu canto e da minha forma de me expressar na internet. Gosto de cantar pop e folk. Também sou atleta. Faço ciclismo e muay thai. E tudo isso é contra as regras do Talibã. Aqui a mulher não pode fazer nada. Eles acreditam que a música é ‘Haram’ (termo usado para se referir a qualquer coisa que é proibida pela fé). Para o Talibã mulheres devem ficar em casa e, se saírem, devem estar na companhia de um homem da família. Ou seja, querem nos prender em suas casas. São um retrocesso e contra a humanidade. Eles não mudaram. Gostam de manter as mulheres sem educação, se sentindo fracas e as mantendo totalmente cegas do mundo. Caso contrário, elas assumirão o controle do país, essa é a verdade!

Agora Cabul está tomada novamente. A situação está ainda muito mais arriscada para nós, mulheres solteiras, especialmente para as que são artistas, atletas e todas as presentes e atuantes nas redes sociais, como eu.

Esta é a segunda semana que eu fico completamente trancada em casa e não saio para nada, para preservar minha segurança. Nessas duas semanas só fiz um post no Instagram e também postei duas vezes no YouTube. Eles vigiam tudo e poderiam chegar facilmente até a mim. Não posso facilitar.

No dia 13 de agosto de 2021, fiz minha primeira postagem abertamente falando sobre a situação política do Afeganistão no meu Instagram. ‘Não gosto de expressar minha dor online, mas estou cansada de tudo isso. Meu coração se despedaça quando olho para o meu solo, minha pátria amada que está sendo destruída lentamente diante dos meus olhos’, escrevi. No dia seguinte, militantes do Talibã tomaram Cabul e tive que parar de publicar. Não é mais seguro. Muitos residentes e ativistas estão lutando para limpar suas vidas digitais e não deixar rastros do que postam, pois podem ser perseguidos e torturados.

Milhares de jovens afegãos, em particular as mulheres e as minorias religiosas, temem que o conteúdo online coloquem suas vidas em perigo. Até mesmo porque não dá pra esquecer a primeira vez que o Talibã impôs sua versão ultraconservadora da lei islâmica ao Afeganistão entre os anos de 1996 e 2001. As mulheres foram totalmente excluídas da vida pública, as meninas não podiam frequentar a escola, o entretenimento foi radicalmente proibido no país e também foram impostas punições brutais a nós, mulheres, como o apedrejamento até a morte em casos de adultério, por exemplo.

“Nunca pensei que um dia tivesse que fugir do meu país e me esconder”

Agora estou tentando sair do Afeganistão, mesmo com o coração doendo e querendo ficar. Não gostaria de estar prestes a fugir, amo a minha terra natal. Meu sonho é conquistar as honras para o meu país mas, infelizmente, o Talibã é contra a música, o esporte e a democracia. Não posso mais ficar aqui, tenho que procurar abrigo, proteção e significado em outro país. Sabemos que o Talibã pode me matar e a muitas pessoas. Se minha morte pudesse trazer paz, eu faria isso pelo meu povo e pela minha pátria, mas sabemos que a minha morte seria inútil.

Nunca pensei que um dia tivesse que fugir do meu país e que tivesse que me esconder. Antes, eu queria ir para outros países para estudar mais, me especializar e depois retornar para cá. Agora estou tentando ir para qualquer país onde eu possa me manter a salvo.

Não gosto de falar de dor no mundo virtual, mas minha alma chegou aos meus lábios e me pergunto: ‘meu Deus, onde estás?’. Meninas de 12 anos sendo escravas sexuais e jovens sendo mortos a cada dia e eu não posso fazer nada. Me pergunto onde estão as Nações Unidas? Onde estão os direitos humanos? Por que quando se trata do Afeganistão todos parecem se tornar surdos, cegos e mudos? Para que servem estes homens do Talibã, por que é que eles traem o seu país? Parece que ninguém ouve nosso pedido de socorro.

Sigo daqui tentando me proteger e me esconder como posso desses abutres sem alma. Sigo com o coração cheio de dor e com a alma latejando por dentro pela minha terra tão oprimida. Eu só quero paz, liberdade e justiça para o meu povo e para o meu país, especialmente, para as mulheres. Só peço que Deus nos ajude e cuide de todos nós.”

As informações são da Marie Claire.

 

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