“Recuse a clicar”: página mostra como pornô estimula a violência contra a mulher

O combate à pornografia é a próxima barreira a ser derrubada em prol de uma sociedade mais igual e que explore menos as mulheres? Para muita gente sim, incluindo Izabella Forzani, de 31 anos, advogada há 10 e que é atualmente assessora parlamentar na Câmara dos Deputados, em Brasília.

É também uma das administradoras das páginas Recuse a Clicar, nome presente em Facebook, Instagram, Medium e Twitter e que em todos os perfis somados têm mais de 88 mil seguidores.

“A página surgiu no Face, em 2018, junto com grupos femininos, um apenas masculino e um outro grupo misto. À medida que a páginafoi crescendo, passamos para outras redes sociais. Aos poucos pretendemos usar outros meios de comunicação para cada vez atingir mais pessoas”, conta Iza.

Com postagens dedicadas a combater o comércio de imagens de pornografia, bem como questionar a prostituição, a Recuse a Clicar se tornou um hub de conteúdo do tema. Publica histórias de mulheres que passaram por terríveis experiências no meio; traz notícias relacionadas ao tema, entre outros conteúdos.

Para Izabella, já passou da hora de falarmos da real ligação entre pornografia e violência contra a mulher. “A pornografia é prejudicial como um todo. Prejudica quem trabalha nela, quem consome e quem vive nessa sociedade ‘pornificada’. Obviamente, existem alguns poucos que lucram com essa indústria e enriquecem às custas de todo esse sofrimento causado”, afirma ela em entrevista à Marie Claire.

“Eu me aproximei muito da pauta antipornografia e antiprostituição a partir do momento que mergulhei no feminismo. Mas, a verdade é que sou antipornografia antes mesmo de me definir como feminista. Nunca fui consumidora, justamente por discordar muito da própria essência do que é a pornografia, antes mesmo de poder colocar em palavras aquilo que eu realmente sentia”, diz. Leia abaixo os destaques da conversa:

MARIE CLAIRE A pornografia é prejudicial para a existência feminina?
IZABELLA FORZANI A pornografia é prejudicial como um todo: para quem trabalha nela, para quem consome e para quem vive em uma sociedade “pornificada”. Obviamente, existem alguns poucos que lucram sobremaneira com essa indústria e enriquecem às custas de todo esse sofrimento causado. Numa sociedade altamente misógina como a nossa, a humilhação e a violência contra a mulher em todas as suas formas (verbal, física, etc.) é o que atrai os olhares masculino.

“A pornografia é prejudicial como um todo: para quem trabalha nela, para quem consome e para quem vive em uma sociedade pornificada”
Izabella Forzani, do Recuse a Clicar

MC As pessoas podem entender o pornô como uma violência ao feminino?
IF Em pesquisas recentíssimas de 2020 [Izabella se refere a dados publicados em novembro passado pelo Centro National para a Biotecnologia da Informação, do governo dos Estados Unidos], constatou-se com óbvia facilidade que em 97% das tags relacionadas a atos de violência na pornografia, em plataformas online de conteúdo do tema, o sujeito que sofre a agressão é uma mulher. Como a pornografia parte de uma visão estritamente masculina, é bem fácil perceber que as mulheres ali representadas existem meramente como um objeto para o gozo masculino. As posições, as roupas, as expressões faciais, o enredo, tudo é feito para se amoldar naquilo que se entende como prazeroso aos homens. Além disso, para mim é inegável que as maiores prejudicas com a pornografia são meninas e mulheres. E nesse aspecto é importante ter em mente que a pornografia prejudica quem produz, sendo uma indústria altamente violenta e humilhante para as atrizes.

MC Como você vê o impacto da pornografia nos homens, já que o consumo dela ainda é considerado algo “natura” dentro dessa masculinidade que a gente tem presente hoje?
IF Os homens como maiores consumidores são também os maiores prejudicados pelos sintomas do vício na pornografia. Ela se tornou um vício cada vez mais presente e comum em meninos jovens. É importante destacar ainda que mesmo que de forma não tão majoritária, a pornografia exerce um poder danoso na auto-imagem e autoestima de homens e meninos também. É claro que gerações de meninos e homens que cresceram masturbando-se com pornografia violenta e misógina vão reproduzir esses comportamentos com as mulheres ao seu redor. Há vários estudos no sentido de como consumidores assíduos de pornografia têm mais propensão a atos de violência contra mulher, de natureza física ou psicológica. Então, é muito importante entender que, por mais que nem todas nós consumamos pornografia, todas somos afetadas negativamente por ela, direta ou indiretamente.

MC Você se define como RadFem: pode explicar um pouco melhor o que isso significa dentro da sua área de atuação?
IF O feminismo radical foi onde conheci e me aprofundei melhor na crítica da mercantilização do sexo, seja na pornografia, seja na prostituição. Foi lá que encontrei os maiores nomes dessa luta e onde encontro os maiores fundamentos e as maiores apoiadoras da causa. Contudo, é importante deixar claro que a página “ Recuse a Clicar” não é feminista radical e esse sequer é o posicionamento de todos os integrantes. Hoje nos definimos apenas como antipornografia e antiprostituição, sem fechar em qualquer corrente teórica para que isso torne nossa militância mais abrangente. Até porque é imprescindível para a página o diálogo e a construção com o homens, que são sem nenhuma dúvida os maiores consumidores da pornografia e os maiores clientes da prostituição.

MC Vocês recebem ou coletam histórias de mulheres que passaram por experiências ligadas ao pornô? Qual te impactou mais?
IF Recebemos inúmeros relatos na página e nos grupos no Facebook. Infelizmente, pelo excesso de demanda, nem sempre conseguimos dar a devida atenção para cada um deles como queríamos. A maior parte dos relatos recebidos são de mulheres, muitos são histórias de quem se relaciona com homens viciados em pornografia. É complicado separar apenas uma história porque, na verdade, já foram tantas e elas são, geralmente, tão impactantes que não consigo fazer essa distinção. Nós temos uma aba no nosso Medium onde os relatos foram sistematizados. Mas acho importante frisar alguns pontos em comuns entre a maioria das histórias. A maioria esmagadora são mulheres passando por cima dos próprios sentimentos por inúmeras vezes e deixando com que o vício de seus companheiros afete sobremaneira sua autoestima para conseguir manter seus relacionamentos. É claro que existem alguns finais felizes, mas são muito poucos. Num geral, as meninas que nos procuram já estão desistindo ou já desistiram do relacionamento, arrependidas do tanto que se esforçaram por homens que não corresponderam aos seus esforços.

MC Vocês mantêm contato com outras páginas do gênero? É possível ver nas postagens bastante conteúdo de luta contra o PornHub. Como se dá isso?
IF Sim, é bem comum conversarmos com outros militantes da área até para aproveitamento dos conteúdos criados. A militância antipornografia no Brasil ainda é pouco desenvolvida, então aproveitamos para criar muitos contatos com militantes e organizações estrangeiras. Uma delas é a Trafficking Hub, que é uma junção da Exodus Cry com a Laila Mickelwait contra o Pornhub. Eles conseguiram, após uma matéria famosíssima no “The New York Times”, desmonetizar o PornHub, tirar milhões de vídeos do ar e ainda questionar no parlamento canadense – país no qual o PornHub é hosteado – a legalidade da existência da Mind Geek (empresa dona do Pornhub). Além disso, dialogamos bastante com outros militantes anti-pornografia no Brasil e com militantes feministas dentro e fora do país que possuem essa pauta em comum.

MC A prostituição é outro tema do Recuse a Clicar: qual é a visão de vocês sobre o assunto?
IF A Recuse a Clicar é uma organização essencialmente contra a mercantilização do sexo e dos corpos. Por isso somos antipornografia, antiprostituição e anti-tráfico de pessoas. Logo, somos radicalmente contra a prostituição também. Entendemos a prostituição como profissão essencialmente violenta e torná-la “um trabalho como outro qualquer” é uma contradição em seus próprios termos. Defendemos o Modelo Nórdico, também conhecido por modelo abolicionista. Nele, a prostituição se torna proibida com a criminalização do comprador do sexo e da cafetinagem, sem criminalizar a pessoa prostituída. O referido modelo enxerga a pessoa prostituída como vítima que precisa de auxílio para deixar aquela situação de violência. Portanto, além de pregar a criminalização de quem de alguma forma se aproveita da vulnerabilidade social e econômica de mulheres para obter prazer sexual ou para explorá-las financeiramente, o Modelo Nórdico prega a existência de fortes políticas públicas para retirar as mulheres da situação vulnerável em que se encontram. Sendo assim, políticas que permitam que essas mulheres se re-insiram no mercado de trabalho, que tratem os vícios de drogas e álcool, que protegem mulheres de relacionamentos abusivos e/ou violência contra a mulher, que capacitem essas mulheres para o emprego, dentre várias outras são essenciais para que esse tipo de Modelo seja, de fato, implementado.

 

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