Hamas pode ser substituído por grupo terrorista ainda mais extremo’, diz especialista

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Stephen Zunes, coordenador do programa de estudos do Oriente Médio da Universidade de São Francisco, EUA — Foto: Universidade de São Francisco

Após os atentados sem precedentes em solo israelense, analistas são praticamente unânimes em afirmar que não é possível prever ainda a proporção e a natureza das consequências que a ação brutal do Hamas, e a resposta massiva de Israel, terão para o conflito no Oriente Médio.

Para Stephen Zunes, coordenador do programa de Estudos de Oriente Médio da Universidade de São Francisco, se o Hamas for “destruído da mesma forma que o Estado Islâmico, como pregou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyhu, “não há garantia de que não será substituído por outro grupo terrorista ainda mais extremo”.

Em entrevista ao GLOBO, Zunes fala sobre como Israel, Estados Unidos e o grupo rival palestino Fatah, participaram da ascensão do grupo extremista.

É verdade que Israel abriu caminho para a ascensão do Hamas como um contrapeso à Organização para Libertação da Palestina [OLP] de Yasser Arafat?

Ironicamente, foi Israel que encorajou a ascensão do movimento islâmico palestino para conter a OLP, a coalizão secular composta pelo Fatah e vários outros movimentos esquerdistas e nacionalistas. Começando no início da década de 1980, com financiamento generoso da Arábia Saudita, os antecedentes do Hamas começaram a surgir pelo estabelecimento de escolas, clínicas de saúde, organizações de serviço social, e outras instituições que seguiam uma interpretação ultraconservadora do Islã, que naquele momento não era ainda muito comum entre a população palestina. Os israelenses esperavam que, se as pessoas passassem mais tempo orando nas mesquitas, estariam menos engajados em se alistar nos movimentos nacionalistas que desafiavam a ocupação israelense.

E em que medida foi dado esse impulso?

Enquanto apoiadores da OLP secular não tinham direito de ter sua própria mídia ou realizar eventos políticos, as autoridades israelenses permitiam que os grupos radicais islâmicos fizessem manifestações, publicassem jornais sem censura e até mesmo tivessem sua própria emissora de rádio.

Por exemplo, na Cidade de Gaza, em 1981, soldados israelenses, que não hesitavam em reprimir brutalmente manifestações pacíficas da OLP, não interferiram quando um grupo de extremistas islâmicos atacou e incendiou uma clínica ligada ao movimento rival por oferecer serviços de planejamento familiar para mulheres.

Que elementos do complexo cenário do conflito colaboram mais para o ganho de influência do Hamas, substituindo a OLP como fonte de liderança para muitos palestinos?

Na época dos Acordos de Oslo entre Israel e OLP, em 1993, pesquisas mostraram que o Hamas tinha o apoio de apenas 15% da comunidade palestina. O apoio ao Hamas cresceu, no entanto, à medida que a possibilidade de um Estado palestino viável foi desaparecendo, enquanto Israel continuou a expandir seu impulso colonizador na Cisjordânia, dobrando a quantidade de colonos nos 12 anos seguintes.

A gestão do líder do Fatah e presidente da ANP, Yasser Arafat, e seus aliados, se mostrou corrupta e inepta, enquanto as lideranças do Hamas eram vistas como mais honestas e comprometidas com as necessidades dos palestinos. Em 2001, Israel cortou todas as negociações importantes com os palestinos, e uma ofensiva devastadora apoiada pelos EUA, no ano seguinte, destruiu muito da estrutura da ANP, diminuindo ainda mais as perspectivas de paz.

Antes dos recentes ataques do Hamas a Israel, qual era a representatividade do grupo entre a população palestina e como isso pode mudar agora?

Os bloqueios israelenses arrastaram a economia palestina para uma grave depressão, e os serviços sociais administrados pelo Hamas se tornaram ainda mais importantes para a população. [Os palestinos] Vendo que a decisão da OLP de encerrar a luta armada e apostar no processo de paz liderado pelos EUA resultou em mais sofrimento, a popularidade do Hamas cresceu muito além da sua base fundamentalista.

Nas eleições parlamentares de 2006, o Hamas conquistou a pluralidade do voto e a maioria no Legislativo. Com o encorajamento do governo Bush [George Bush, então presidente dos EUA], o Fatah tentou tirar o Hamas do poder, fazendo eclodir uma guerra civil de três dias que resultou na tomada do controle da Faixa de Gaza pelo grupo. Eles governam o enclave desde então, abolindo qualquer oposição. É difícil estimar seu apoio político, não pouco substancial, mas provavelmente não chega à maioria.

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