Na tarde de domingo (10), o líder norte-coreano Kim Jong-un subiu num antiquado comboio verde que já se tornou um símbolo duradouro do isolamento e do sigilo da nação eremita.
Imagens divulgadas pela mídia estatal norte-coreana KCNA mostram Kim embarcando em seu trem particular enquanto se preparava para viajar à Rússia para uma esperada reunião com o presidente russo, Vladimir Putin. Os Estados Unidos alertam que um acordo de armas entre os dois países poderia estar em cima da mesa.
Não está claro quando ou onde essa reunião ocorrerá. A mídia estatal russa informou na terça-feira (12) que o trem de Kim havia chegado ao país e viajava para o norte, passando pelo extremo leste da Rússia.
Fotos da saída de Kim de Pyongyang mostram uma estação de trem com um longo tapete vermelho estendido para o líder, ladeado por oficiais uniformizados e soldados em posição de sentido. Vários funcionários se curvam e apertam a mão de Kim. Ao fundo, mulheres em vestidos e roupas tradicionais podem ser vistas torcendo e agitando a bandeira norte-coreana.
Entre os funcionários fotografados parecem estar o ministro das Relações Exteriores da Coreia do Norte, Choe Sun Hui, e Ri Pyong Chol, vice-presidente da Comissão Militar Central do Partido dos Trabalhadores, no poder.
A certa altura, Kim e sua comitiva estão na entrada do trem, acenando para a multidão e oferecendo um vislumbre da locomotiva fortemente blindada e de movimento lento, com piso de madeira polida e uma porta branca ricamente decorada.
A série de vagões verdes escuros, com listras amarelas nas laterais, combina com a aparência do trem usado tanto por seu avô, Kim Il Sung, quanto por seu pai, Kim Jong Il, que supostamente oferecia jantares luxuosos a bordo.
Trem blindado de luxo
O trem tem sido objeto de intriga há muito tempo, transportando gerações da família Kim por todo o país e em raras viagens ao exterior.
Kim Jong Il, que supostamente era avesso a voar, dependia muito do trem, segundo a Reuters — em contraste com seu filho Kim Jong-un, que já viajou em um luxuoso jato particular, e que estudou na Suíça na década de 1990.
O mesmo comboio verde com faixas amarelas foi visto em imagens dos meios de comunicação estatais russos quando Kim Jong Il visitou a Rússia em 2002. Na altura, as sanções internacionais à Coreia do Norte tinham relaxado, permitindo um breve período de maior envolvimento com o mundo exterior.
As memórias do ex-oficial russo Konstantin Pulikovsky, baseadas em um relatório de um anotador do Ministério das Relações Exteriores russo a bordo do trem em 2001, durante a viagem de um mês de Kim Jong Il pela Rússia, pintam um quadro de luxo. Pulikovsky afirmou que o trem era conduzido por mulheres bonitas e carregado com pratos extravagantes e vinho, de acordo com um artigo de 2002 do New York Times.
“Era possível pedir qualquer prato da culinária russa, chinesa, coreana, japonesa e francesa”, escreveu Pulikovsky, segundo o Times. Lagostas vivas foram levadas para estações de trem ao longo da rota, e caixas de vinhos tintos de Bordeaux e Borgonha foram entregues, escreveu Pulikovsky.
Outras reportagens publicadas ao longo dos anos pela mídia sul-coreana destacaram os recursos de segurança do trem. De acordo com uma reportagem de 2009 do jornal sul-coreano Chosun Ilbo, o trem é tão fortemente blindado que viaja a uma velocidade média de 60 km/h.
Continha salas de conferências, sala de audiências e quartos, além de conexões telefônicas via satélite e televisões de tela plana, informou o jornal na época.
“Antes que o trem de Kim se aproxime da estação, a energia nos outros trilhos é desligada para que nenhum outro trem possa se mover”, relatou o jornal.
Kim Jong-un a bordo
A Coreia do Norte de hoje está muito longe daquela época do início do milênio, quando foram feitos os relatos de Pulikovsky sobre generosidade e luxos a bordo do comboio.
As sanções internacionais foram novamente reprimidas em 2003, depois de a Coreia do Norte ter continuado o seu programa de armas nucleares e se ter retirado do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. As informações provenientes de dentro do país diminuíram, ainda mais nos últimos anos sob o governo de Kim Jong-un.
Sendo um estado já recluso e isolado, a Coreia do Norte fechou suas fronteiras durante a pandemia do coronavírus e relatórios do início deste ano sugeriram que a população que não faz parte da elite política em Pyongyang enfrentava escassez crônica de alimentos.
Mesmo antes da pandemia de Covid-19, quase metade da população norte-coreana estava subnutrida, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.
Ainda assim, o comboio fez várias aparições desde que Kim assumiu o poder em 2011, destacando as relações da Coreia do Norte com a Rússia e a China — o único verdadeiro aliado internacional do país.
Kim viajou de trem para Pequim em 2018, marcando sua primeira viagem ao exterior desde que assumiu o poder, onde conheceu o presidente chinês, Xi Jinping, e outras autoridades de alto nível. Imagens divulgadas pela KCNA mostraram Kim e várias autoridades chinesas a bordo do trem, sentados em duas fileiras de sofás rosa de cada lado do vagão.
Kim fez outra viagem de trem para Pequim em janeiro de 2019 e, no mês seguinte, pegou o trem para o Vietnã para se encontrar com o então presidente dos EUA, Donald Trump, na capital Hanói. Essa reunião fracassou, sem nenhum acordo alcançado ou progresso concreto na promoção da desnuclearização.
Em abril de 2019, Kim apanhou o comboio para Vladivostok para se encontrar pela primeira vez com Putin — onde acusou os EUA de agirem de “má-fé” na cúpula de Hanói. Fotos da viagem mostram trabalhadores norte-coreanos na estação de Vladivostok, limpando o exterior do trem.
Mais recentemente, em 2022, imagens divulgadas pela mídia estatal norte-coreana mostram Kim trabalhando em seu escritório a bordo do trem, com cortinas azuis ao fundo e cadeiras azul-petróleo ao redor de uma mesa branca.
A mídia estatal também exibiu um documentário que mostra raros vislumbres de Kim em um estado mais relaxado — sentado em seu escritório no trem, com uma camisa branca de mangas curtas, fumando um cigarro enquanto conversa com autoridades, segundo a agência de notícias sul-coreana Yonhap. Um laptop e um monitor de computador podem ser vistos no canto.
Com informações da CNN.