‘Escolhi a foto do meu marido no tinder’, conta escritora carioca radicada na Suécia

“Minha mãe estava grávida de nove meses quando descobriu a ‘pulada’ de cerca do meu pai. Fez questão de saber quem era o seu objeto de desejo e ele acabou revelando por quem se apaixonara: Ilana, uma estudante de oceanografia de olhos azuis. Minha mãe conta que, ao ouvir a sonoridade daquele nome, até então, desconhecido para ela, eu me revirei na barriga. Foi assim que escolhi como gostaria de ser chamada.

Diante da traição, eles se separaram, e cresci ao lado de uma mãe fora dos padrões, liberta, onírica, e do meu padrasto, com quem ela se casou, quando eu tinha 2 anos. Na infância e na adolescência, morei em Bangu, Ilha do Governador e Vila Isabel. Embora sem grandes recursos financeiros, minha mãe investiu na minha educação. E eu correspondi à altura.

Fui bolsista na PUC-Rio, me formei em Pedagogia, fiz mestrado. Progredi. O sonho do casamento se realizou em 2004. Queria formar uma família, ter filhos e ainda acreditava piamente no amor romântico. Foi, quem diria, a destruição do meu castelo de conto de fadas que desencadeou o início de uma revolução. Descobri a infidelidade do meu marido. Dois anos depois de trocarmos alianças, estava solteira novamente e profundamente ferida.

A vida profissional ia de vento em popa. Além da especialização na Itália e do doutorado, estava à frente de um curso de extensão na PUC-Rio. Porém, meu coração seguia vago, não encontrava ninguém que me seduzisse na cidade.

Decidi arriscar a sorte num site de encontros, e foi lá que conheci meu marido, Johan. Sueco, ele também sonhava casar e ter filhos. Depois de muita conversa on-line, Johan cruzou o oceano e desembarcou no Rio. Ficamos 18 dias grudados. Um mês depois, em 2011, me mudei para a Suécia e nunca mais voltei a morar no Brasil. Em 2012, tive o nosso primeiro filho, Dante, e, em 2015, nasceu nossa filha, Liv Athena.

Porém, nem tudo são flores. O choque cultural que sofri ao me mudar para um país tão diferente fez com que eu caísse em depressão. É claro que a Suécia já era maravilhosamente feminista, fora o privilégio de morar num lugar brindado por políticas públicas, onde nem existe plano de saúde.

Por outro lado, ninguém me olhava na rua, ninguém abria um sorriso largo nem fazia perguntas triviais na padaria. E ainda havia o frio congelante e a língua com sons guturais, que demorei para aprender.

Nesse meio tempo, escrever se tornou uma válvula de escape. Redigi os livros “Encontros de neve e sol” e “Poemas acesos”. Também comecei a trabalhar como consultora na Universidade de Gotemburgo e abri uma biblioteca no jardim de casa para socializar. Mas a depressão não saía de mim. E, pior: os remédios psiquiátricos prescritos acabaram surtindo efeito reverso. Para mudar de ares, resolvemos passar um ano morando na Itália.

Ao chegar lá, meu marido observou: ‘Nossa, aqui tem um monte de Ilanas’. A Toscana deixou o meu erotismo à flor da pele. Até então, mantínhamos um casamento monogâmico. Lembro-me de estarmos na estrada e colocar um TED talk da psicoterapeuta belga Esther Perel, que fala como ninguém sobre como equilibrar domesticidade e erotismo. Ficamos mexidos.

Por uma conspiração do destino, já novamente em Estocolmo e revigorada, recebi o convite de um editor de livros para me dedicar à escrita erótica. No início estranhei, mas decidi me jogar. Assim nasceu a Emma, a antropóloga sueco-brasileira especialista em sexualidade do livro “Emma e o sexo”. A personagem causou uma transformação profunda na minha maneira de entender o prazer.

Por causa dela, fiz uma imersão: entrei no curso de pompoarismo, me apaixonei pelo shibari (técnica de amarraçãoerótica), me aventurei no BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo), explorei o sexo tântrico, frequentei piqueniques poliamorosos, tudo para poder escrever. Diante de tanta informação, ao completar dez anos de casada, propus ao meu marido: ‘O que acha de abrirmos o casamento por um ano?’. Ele estourou um champanhe.

Há 12 meses, vivemos uma não monogamia consensual, sem confessionário. Estabelecemos regras, como não envolver os filhos e não flertar com outras pessoas quando estamos juntos — a não ser em uma casa de swing, por exemplo.

Eu me interesso por práticas, como shibari, com as quais ele não se identifica, e tudo bem. Somos indivíduos com fantasias e desejos distintos. Entrei na faculdade de Sexologia (em sueco!) e busco uma editora para dar prosseguimento à saga erótica de Emma. Estou feliz no auge dos meus 43 anos.

Outro dia, uma conhecida me ligou para avisar que meu marido está no Tinder. ‘Eu que ajudei a escolher a foto, amor’, respondi a ela, encerrando a conversa. Acabamos de renovar os votos. Sabe o acordo de um ano de casamento aberto? Estendemos para três. Nosso mundo se ampliou.”

As informações são do Jornal O Globo.

 

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