Empresários criam ‘shows silenciosos’ em Curitiba

Bandas ficam em 'aquário' e público acompanha com fones de ouvido do lado de fora. Em 2022, perturbação de sossego foi ocorrência mais registrada no Paraná pela PM via 190

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Rodrigo Chavez e Val Mariani idealizaram espaço inovador no Arnica Cultural — Foto: Arquivo Pessoal

Uma apresentação musical silenciosa pode parecer algo contraditório, mas foi a aposta de dois empresários que inovaram em Curitiba após o espaço cultural deles ser alvo de reclamações de perturbação do sossego.

Na adaptação idealizada pelos sócios Val Mariani e Rodrigo Chavez, os artistas ficam em um estúdio com isolamento acústico, criado em uma espécie de aquário, voltado para o quintal onde fica a plateia.

Do lado de fora, o público usa fones para ouvir os shows feitos dentro do estúdio. Veja o vídeo acima.

“A gente encontrou uma forma de conseguir colocar uma banda que tem bateria, guitarra e barulheira, sem a barulheira, e assim trazer uma experiência diferente para o público e para o próprio artista”, conta Chavez.

O Arnica Cultural fica no Bigorrilho, em uma área residencial da capital. Segundo Chavez, o espaço foi idealizado em 2016 para movimentar a cena artística da cidade, abrigar ensaios e eventos.

“A gente botava 600 pessoas aqui no quintal, com um sistema de som profissional, bateria. Aí era inevitável, incomodava os vizinhos. A polícia veio aqui diversas vezes por reclamação de perturbação de sossego”, relembra.

Na época, o espaço funcionava sem alvará. Logo, começaram os problemas com a fiscalização e o Arnica Cultural foi embargado.

A perturbação de sossego foi a ocorrência mais registrada no Paraná em 2022 pela Polícia Militar via telefone e aplicativo 190. Segundo a corporação, foram 160.939 casos. O número é três vezes maior que o segundo tipo de denúncia mais comum no ano passado, violência doméstica, que somou 52.546 registros.

Chavez conta que, diante do embargo, entenderam que teriam que reinventar o espaço para retomar as atividades.

“Primeiro de tudo, conseguir algumas liberações. Depois, encontrar uma forma que não fosse perturbar os vizinhos, porque, independente de todas as licenças, se a gente tá incomodando a vizinhança, a polícia tem autonomia para chegar aqui e fechar o espaço”, afirma Chavez.

A reformulação foi um desafio. Os sócios contam que a casa foi reformada para proporcionar mais possibilidades.

No interior foram montados estúdios e há uma produtora de áudio que atende bandas da cidade. Na parte externa, o espaço que recebe os shows silenciosos e um bar.

A ideia dos shows silenciosos surgiu após pesquisas de boates europeias que fazem festas, com DJs, nas quais o público usa um fone de ouvido.

Em dezembro de 2021, Val Mariani e Rodrigo Chavez fizeram um evento teste para verificar a viabilidade da ideia. De acordo com eles, a experiência foi um sucesso e os shows silenciosos passaram a acontecer.

Os idealizadores relatam que, no início, há uma resistência do público, mas a situação muda após o evento.

“Depois que a pessoa vê a experiência, sente e vive, sai falando bem”, brinca Val Mariani.

Empatia na vizinhança

Rodrigo Chavez e Val Mariani idealizaram espaço inovador no Arnica Cultural — Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com o empresário, a adaptação realizada no Arnica Cultural melhorou o relacionamento do espaço com os vizinhos.

“Hoje a gente tem esse respeito com os vizinhos. Temos esse entendimento que às vezes o cara trabalha a semana inteira, tem que estudar, tá com a mãe doente em casa, tem filho, e a gente com 600 pessoas fazendo festa e barulheira. Hoje a gente está mais maduro. A gente vive em uma comunidade, tem que respeitar as regras e ter empatia pelo outro”, afirma Chavez.

Com a infraestrutura adaptada aos shows silenciosos, hoje os eventos são mais enxutos. Chavez admite que sente falta das atividades maiores e com mais bagunça, mas afirma que o diálogo mais próximo com a vizinhança compensa.

“Teve uma época que a gente fazia brunchs e comidas no fim de semana e mandava para eles de presente… Já fui visitar algumas vezes um vizinho, que é um senhorzinho e gosta muito de música. A vizinha de muro também, às vezes ela assiste os shows pela varandinha dela. Os de mais perto a gente é próximo e os mais distantes a gente não incomoda mais”, conta.

Os empresários dizem que se sentem realizados pela adaptação ter revivido o Arnica e, mais do que isso, mantendo a função original de promover cena cultural em Curitiba.

“Faz ter sentido tudo o que a gente faz aqui, porque é uma forma de tentar fazer a diferença, tanto na vida do artista, quanto do público, porque a gente proporciona esse encontro”, comemora Chavez.

Em Curitiba, a lei municipal 10.625, conhecida como Lei do Silêncio, estabelece limites e proíbe a perturbação do sossego e do bem estar público por sons, ruídos e vibrações incômodas.

A legislação cita, por exemplo, barulhos de obras e de veículos, shows, apresentações musicais e equipamentos sonoros em praças e parques.

Muitas pessoas pensam que a perturbação do sossego é apenas para incômodos a partir das 22h. Porém, a PM alerta que, no Paraná, não existe um horário específico para a ocorrência.

Barulho não é brincadeira

A médica Vanessa Mazanek Santos é especialista em transtornos da audição e doenças de ouvido do Hospital Instituto Paranaense de Otorrinolaringologia (IPO). Ela alerta que, além as consequências diretas à exposição exagerada a ruídos, a população deve se preocupar também com as consequências indiretas.

“A exposição exagerada é uma das principais causas diretas da perda auditiva e do zumbido, mas também pode trazer danos secundários à saúde como ansiedade, irritabilidade, dificuldade de concentração e memória, distúrbios do sono e ser um fator agravante para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares como a pressão elevada”, afirma.

Com informações do g1.

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