A moda como um espaço de dignidade

No Dia da Luta Contra a Gordofobia, entenda como o ato de se vestir pode contribuir para romper estereótipos para todos os tipos de corpos e tamanhos

Apesar de considerada uma minoria social, pessoas com excesso de peso são, de acordo com dados oficiais do Ministério da Saúde, 57,2% da população brasileira em 2021.

Ainda assim, esse público não é necessariamente contemplado quando falamos de vestuário e o mundo da moda. De acordo com a Associação Brasileira do Vestuário (Abravest), o mercado de moda plus size (tamanhos a partir do 50) registrou, em 2018, um faturamento de 7 bilhões de reais – em detrimento à média geral de R$ 124 bilhões por ano da indústria.

Ou seja, para a maioria do Brasil, comprar uma peça de roupa pode ser uma atividade que envolve estigma, frustração e falta de opções.

“Eu comecei a desenvolver um hábito que hoje eu percebo o quanto que me impactou na minha vida. Eu chegava numa loja e eu perguntava para o atendente: ‘eu quero saber o que você tem de maior, me mostra os seus maiores tamanhos que você tem, e aí eu compro’”, diz Beatriz Melo, de 25 anos.

Hoje, Beatriz é modelo e estrategista criativa. Procurava, estudava e gostava do mundo da moda desde jovem, mas nunca pensou que isso poderia se tornar uma profissão.

“Eu jamais pensei em mim como modelo porque eu nunca fiz parte das narrativas de moda que eu consumia, e não só de moda. Hoje, quando a gente fala sobre qualquer coisa na publicidade, eu jamais imaginava que ia ter um corpo gordo em um comercial, como que eu ia imaginar que isso poderia acontecer?”, diz em entrevista à CNN.

“Eu vivia esse dilema: de um lado eu estava consumindo moda, que era um prazer, um hobby. Mas quando eu ia comprar, quando eu ia ter experiência de compra, aquilo ali era uma frustração: uma quantidade muito reduzida de opções, um repertório muito pequeno de coisas que eu poderia consumir, que não tinham muito a ver com meu estilo, que não tinha muito a ver com a minha personalidade.”
Beatriz Melo, modelo e estrategista criativa

(Reprodução Instagram)

Foi também pensando dessa maneira que as amigas Luciana Celestino e Alline Fregne pensaram em fundar uma marca que pudesse fazer com que todos tivessem uma experiência satisfatória – independentemente da forma do corpo do consumidor.

“A gente se olhou, olhamos uma para a outra: somos mulheres que têm ritmos de vida muito parecidos, com gostos muito parecidos, mas com corpos totalmente diferentes. E eu pensei que eu nunca poderia sair para comprar roupa com ela (Alline), porque eu não ia encontrar nada do meu tamanho”, diz Luciana Celestino, fundadora da Marca FALA, uma empresa em operação há nove anos e que se intitula uma marca “All Sizes”, que possuem modelagens e peças em estoque e modelagens suficientes para todos os tamanhos.

“A pessoa gorda sempre é colocada como aquela pessoa que é relaxada, que é doente. A gente sabe que a obesidade pode trazer vários riscos, várias doenças. Mas tem uma questão de genética, tem uma questão de estrutura do corpo, que tem pessoas que vão sempre estar, vão nascer, crescer, viver e morrer daquele jeito, mas são pessoas que são saudáveis, que se alimentam bem, que fazem esporte.”
Luciana Celestino, fundadora da Marca FALA

A dificuldade de se encontrar roupas para praticar esportes motivou Amanda Momente a fundar em 2017 a Wonder Size, a primeira marca (segundo Amanda) fitness focada em performance esportiva para pessoas gordas no Brasil.

“A gente não manda a pessoa gorda na academia, ela vai porque ela tem uma roupa confortável que ela sente incrível e apta para fazer aquilo. E sem falar do impacto social, né? Porque você é condenado a perder uma determinada sociabilidade, que é a sociabilidade do mundo dos esportes, do movimento, do lazer, justamente por você ser gordo”, diz Amanda.

“O nosso maior propósito é que as gordas, as mulheres gordas, que elas experimentem o esporte de uma forma diferente, porque as mulheres gordas nunca têm a oportunidade de se relacionar com o esporte sem ser por razões estéticas. A gente diz: ‘vá lá, experimente o exercício, faça o esporte por diversão’, porque esporte é diversão, né?”
Amanda Momente, fundadora da marca Wonder Size

O mercado das marcas all sizes, além das marcas plus size, aparecem em conjunto a um crescimento de movimentos como o body positive, em que se propõe que as pessoas aceitem o próprio corpo e busquem, dentro do contexto pessoal e das especificidades, viver com dignidade – algo até então ignorado às pessoas gordas, principalmente no mundo da moda.

“Existe um impacto social quando você veste um corpo gordo. A gente tem relatos de vários clientes, que dizem que colocaram uma roupa e se sentiram muito felizes, ficaram bem, conseguiram trabalhar com conforto, conseguiram se olhar no espelho. Porque até alguns anos atrás você só encontrava lojas especializadas e que eram roupas sei lá, nas cores bege, preto (que é para emagrecer), para esconder o corpo. Como é importante uma pessoa falar ‘olha, eu me levantei e consegui passear, faz anos que ficava na cama, porque eu tinha vergonha, porque eu não tinha roupa.”
Luciana Celestino, fundadora da Marca FALA

O ato de se vestir com conforto, tendo opções que se moldam à sua personalidade e ao seu estilo, mais do que um valor estético, faz parte da construção da identidade de qualquer pessoa. E não ter o direito de se expressar como quiser pode impactar diretamente em escolhas importantes da vida, além de aspectos como saúde mental, autoestima e confiança. E essa necessidade precisa ser compreendida e absorvida pela sociedade.

“A moda é importante na formação da sua personalidade na forma como você se expressa, na sua identidade. Então foram coisas que me foram tiradas ao longo do tempo”, revela Beatriz Melo. “Hoje, por exemplo, eu me considero uma pessoa muito criativa em relação a moda, mas antes eu não sabia que eu era uma pessoa criativa, porque nesse espaço da moda, por exemplo, eu não podia brincar e imaginar coisas, propor coisas, era tudo muito castrador. Eu estava sempre sendo castrada durante essa minha experiência com a moda”.

“Eu acho que a gente vive um momento em que a gente está começando a cair na real do que a gente pode exigir enquanto comunidade gorda. Eu quero vestir tendência. Eu quero vestir o que as pessoas magras estão usando, eu quero vestir o que condiz comigo, com a minha personalidade. E as marcas precisam trazer isso na modelagem das roupas, nas coleções, no trato, na experiência com o cliente, então eu acho que é uma coisa muito maior do que você só ter ali a peça. O mercado precisa olhar para essas pessoas, humanizá-las também.”
Beatriz Melo, modelo e estrategista criativa

As informações são da CNN.

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