Reclamações sobre poluição sonora ao 1746 triplicam em 2 anos no Rio

Moradora da Rua Aires Saldanha, no chamado Baixo Copa, Iara Marzol Montandon já perdeu a conta dos pedidos de socorro feitos ao 1746, da prefeitura, e ao 190, da PM, em busca de sossego. Ela conta que a algazarra e a música ao vivo dos bares abertos na via têm deixado a vizinhança sem dormir madrugada adentro. As informações são do Extra.

Dados da central do município revelam que o Rio, definitivamente, é uma cidade do barulho: de 2019 a 2021, a despeito da pandemia de Covid-19, as reclamações sobre poluição sonora mais do que triplicaram (de 7.003 para 25.620). E no topo do ranking está Copacabana, que teve 1.591 queixas no ano passado (foram 456 em 2019).

A poluição sonora ocupa a segunda posição entre os assuntos mais relatados ao Disque Denúncia (2253-1177) desde a criação do serviço: foram 162.371 denúncias cadastradas no estado, 60,35% delas da capital. Nos últimos cinco anos, o primeiro lugar nas queixas sobre barulho é dos bailes funk, seguidos de festas, bares, cultos religiosos e obras.

— Embaixo do meu prédio funciona o QG Bar Raiz, que abriu em novembro passado. Entramos na Justiça contra o bar anterior, ganhamos, e ele fechou. Entregamos uma notificação extrajudicial ao novo estabelecimento. O edifício chega a tremer, tamanha a altura do som. Se pelo menos abaixassem o volume às 22h… A maior parte dos condôminos é de idosos — explica Iara.

Segundo a Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop), o Raiz tem alvará para música ao vivo e quatro instrumentos. O bar, por sua vez, diz que investiu em isolamento sonoro do teto e decibelímetro, e que órgãos fiscalizadores nunca constataram irregularidades no local. Alega ainda que “o argumento sobre o prédio tremer é totalmente inverídico e infundado”.

Polêmicas à parte, para tentar abaixar o som no espaço onde vivem, condomínios e associações promovem protestos e até recorrem ao Judiciário. Um dos lugares em que o barulho vem provocando reações à altura do aumento dos decibéis é Santa Teresa. No bairro de aparência sossegada e muitos casarões, queixas de poluição sonora saltaram de 82, em 2019, para 348, em 2021 (crescimento de 324%).

Santa Teresa: festas e funk

Em Santa Teresa, os grandes vilões são festas e bailes funk, promovidos em casarões, bares, hotéis e dentro de comunidades. Presidente da associação de moradores do bairro (Amast), Paulo Saad lista mais de 20 locais. A maioria possui alvará como ponto de referência, sendo permitidos, por exemplo, a organização de festas e o turismo. O documento de inscrição cadastral veda incômodos à vizinhança, além de prestação de serviço e o exercício de atividade nesses locais.

A Seop garante, no entanto, que é possível a realização de eventos com esse tipo de documento, desde que sejam solicitados alvarás transitórios para cada um. Saad contesta:

— Como pode uma casa ter autorização como ponto de referência e conseguir um alvará transitório para uma festa? Isso é ilegal.

Santa Teresa está em pé de guerra. Moradores da Rua Doutor Júlio Otoni — onde há três locais de festas — protestaram, na semana passada, em frente ao Solar do Alto. A Amast encaminhou documentos ao Ministério Público do Rio (MPRJ) e ao prefeito Eduardo Paes pedindo providências em relação ao Solar. Segundo a vizinhança, eventos no espaço atraem centenas de pessoas.

— Aqui não tem regra, não tem lei. A casa está registrada como residencial no cadastro do IPTU e se encontra numa Área de Proteção Ambiental, a APA São José, o que aumenta as restrições — reclama a professora universitária Lúcia Helena Salgado, uma das representantes dos moradores da Júlio Otoni.

Por e-mail, o Solar do Alto assegura que tem tomado “cuidado maior com qualquer tipo de incômodo aos vizinhos”. Afirma que “já não mora mais ninguém na casa e que e os eventos que eram feitos corriqueiramente pelos antigos moradores já não acontecem”. Diz ainda que está à disposição para conversar com representantes dos vizinhos, “para que essas medidas sejam mais assertivas”.

De acordo com o levantamento do 1746, no ano passado, depois de Copacabana, se destacaram em queixas de barulho Campo Grande, Botafogo, Tijuca, Recreio e Barra. Em janeiro de 2022, o Centro (150 reclamações) desbancou Copacabana (146). Em seguida, vêm Botafogo (112), Barra (100) e Recreio (72).

Segundo a Secretaria municipal de Meio Ambiente, em zonas residenciais o limite de ruído permitido é de 55 decibéis (equivalente a um choro de bebê), entre 7h e 22h, caindo para 45 decibéis das 22h às 7h. Nas zonas mistas (residenciais e comerciais), são autorizados até 65 decibéis (compatíveis com o latido forte de um cachorro), durante o dia, e 60 decibéis, entre 22h e 7h.

Proposta de nova lei

Para o presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães, o principal motivo de a poluição sonora ter se tornado um transtorno foi a lei que autorizou o aumento de mesas e cadeiras nas calçadas, publicada no fim de 2020. A legislação reduz o vão livre para passagem de pedestres, de 2,5 metros para 1,2 metro, e autoriza o uso de vagas de estacionamento diante de bares e restaurantes localizados em polos gastronômicos, de quinta a domingo.

— Outro projeto, tramitando na Câmara de Vereadores, flexibiliza ainda mais, permitindo usar vagas fora do polo gastronômico, e de terça a domingo. Já está uma guerra, se esse projeto passar, ela vai se agravar — prevê Horácio.

No bairro, o clima esquentou entre moradores da Rua Belford Roxo e o The Office. Após um abaixo-assinado, a Seop cassou o alvará do bar. A secretaria informa, no entanto, que uma nova licença foi tirada, dessa vez em nome de Billy Jean Bicca Ltda.

— Esse bar teve o alvará cassado em julho de 2021, mas só fechou definitivamente em outubro, com a ajuda da polícia. Reabriu com novo alvará. Hoje, não tem mais música ao vivo, mas continua ocupando ilegalmente a calçada. Colocam mesas e cadeiras na porta da loja vizinha. O dono não consegue alugar a loja por causa da bagunça na porta — reclama a servidora pública federal Renata Ferreira.

Não é bem assim, na versão de Cesar Bicca, dono do bar:

— Sofro perseguição de dona Renata. O meu bar não faz barulho algum. E ganhei na Justiça o direito de funcionar. Por que não podemos resolver o problema na paz?

A PM informa que, em 2021, 18% das chamadas atendidas pelo 190 se referiam a barulho. Em 2020, o percentual chegou a 22% das ocorrências registradas. Já a Seop diz que, desde janeiro de 2021, fechou 184 festas e eventos por várias irregularidades, incluindo barulho.

Sair da versão mobile