Golpes virtuais respondem por um terço dos casos de estelionato no Estado do RJ

“Falo do Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça”, começava a mensagem aparentemente promissora, que citava um suposto “valor de indenização” a receber. “Gostaria de passar os detalhes para a liberação do seu saldo”, escreveu em seguida a pessoa do outro lado, que se apresentava como “advogada designada”.

O gerente comercial Fabiano Serra Couto, de 28 anos, estava, de fato, movendo um processo contra uma financiadora, no qual alegava cobrança de juros abusivos e pleiteava ressarcimento.

Ainda assim, o morador de Volta Redonda desconfiou quando a interlocutora passou a insistir que ele fizesse pagamento por PIX, referente a uma taxa que permitiria o recebimento do dinheiro e seria posteriormente devolvida. Ao consultar um amigo advogado — este de verdade —, veio o alerta: era um golpe.

— Tive a sorte de contar com alguém para me orientar, senão poderia ter caído. Imagine quantas vítimas já não fizeram? — questiona o jovem.

Provavelmente muitas, a julgar pelas estatísticas. As fraudes virtuais não apenas dispararam no estado do Rio nos últimos anos, conforme mostram dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação, como passaram a ocupar uma fração cada vez maior entre todos os casos de estelionato. Em 2016, esse tipo de golpe correspondia a menos de 4% do total.

Até o ano passado, o percentual aumentou mais de oito vezes e chegou a 31,5% — ou seja, uma a cada três vítimas de estelionatários em 2021 foi abordada graças a algum aparato tecnológico, sejam mensagens por celular, sejam telefonemas, ou através da internet.

Luiz Fernando Santos da Silva, de 60 anos, acabou pagando um boleto falso do plano de saúde (Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo)

Boleto falso ao pagar plano

Em abordagens como a sofrida por Fabiano, os criminosos se valem de uma linguagem rebuscada, repleta de termos técnicos — grande parte deles inventados —, o que ajuda a confundir a vítima. A tal transferência que o rapaz deveria fazer para liberar a indenização, por exemplo, era chamada pela golpista de “guia de recolhimento para pagamento retroativo do laudo”, documento inexistente no sistema judiciário brasileiro.

Os criminosos enviaram até mesmo a cópia da suposta decisão favorecendo Fabiano, também recheada de “juridiquês”, com dados verdadeiros sobre ele e a empresa processada, em meio a todo o resto falso.

— Eles tinham meu CPF, minha identidade, meu endereço. Isso é o que mais me intriga: como conseguiram tantas informações? — indaga ele.

Investigações apontam que as quadrilhas costumam conseguir acesso a bancos de dados legítimos, utilizados para localizar os alvos. Muitas vezes, o material é “contrabandeado” de empresas que compilam essas informações, e obtido até mesmo pela chamada “deep web” — uma espécie de lado obscuro da internet, não acessível por ferramentas tradicionais.

— A tecnologia ajuda e atrapalha. Ao mesmo tempo em que ela facilita a nossa vida, também permite a um estelionatário fazer contato com uma infinidade de vítimas em um curto período e, ao mesmo tempo, se valer de mecanismos que tornam a identificação do autor mais difícil — explica o delegado Alan Luxardo, titular da Delegacia de Defraudações (DDEF), unidade especializada responsável por investigar golpes de grandes proporções: — Via de regra, na internet são cometidas muitas pequenas fraudes, mas as de maior vulto são raras. O criminoso ganha na quantidade.

Para Luiz Fernando Santos da Silva, de 60 anos, o prejuízo (quase) foi de exatos R$ 2.403. Ao tentar obter uma segunda via da cota do plano de saúde da família, já no dia do vencimento, o genro do comerciante acessou, sem perceber, uma página clonada, na qual acabou sendo emitido um boleto falso. O documento foi devidamente quitado por Luiz Fernando, que, por sorte, conseguiu reaver o valor junto ao banco no qual mantém conta.

— Eu não entendo nada dessas coisas de internet, não sou muito de rede social. Então, acabo deixando essas missões para outras pessoas, apenas pego o boleto e pago. E mesmo assim fomos enganados — lamenta o morador de Copacabana, que precisou arcar com os juros do pagamento verdadeiro atrasado. — Dos males o menor, mas no momento do susto eu fiquei desesperado. A gente vem enfrentando muitos desafios na pandemia, e um montante como esse faria uma falta absurda.

Explosão na pandemia

A pandemia da Covid-19, aliás, é apontada como a maior propulsora dos golpes virtuais. O número de casos já havia dobrado entre 2018 e 2019, mas, a partir dali, o salto até 2021 bateu os 826%, chegando à marca de 17.427 ocorrências. Na média, é como se uma pessoa caísse numa fraude do gênero a cada meia hora no estado.

— Percebemos um aumento muito grande na procura pelos serviços do nosso escritório, sem dúvida. Como estava tudo fechado, as relações passaram a ser virtuais, sem que a maior parte das pessoas estivesse preparada para isso. Viraram presas fáceis — pontua a advogada Raquel Chaves, especializada em casos do gênero.

— É um tipo de crime em que, infelizmente, é difícil para o estado agir preventivamente, ou que atue apenas a Segurança Pública. A melhor arma é a conscientização — explica Gustavo Caleffi, especialista em gestão de riscos estratégicos. — É claro que há pessoas que não nasceram no mundo digital e terão mais dificuldades, mas todos temos filhos, netos, parentes, amigos… Se usamos essa rede como proteção, escolhendo alguém para supervisionar qualquer eventual transação on-line, o risco já diminui muito. E, em grande parte dos casos, são coisas simples de se perceber.

As informações são do Extra.

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