Realizada em ano eleitoral, Copa do Mundo tem histórico de uso político

Depois de 92 anos, principal torneio de futebol do planeta ocorrerá em ano de disputa presidencial, mas após a votação

Na semana decisiva da Copa do Mundo de 1950, a concentração da seleção mais parecia um ponto de peregrinação. Políticos que tentavam vincular as próprias imagens ao sucesso dos jogadores passaram a visitar a equipe, grande favorita ao título.

Pouco antes da decisão contra os uruguaios, os atletas brasileiros tiveram de se encontrar com dois candidatos a presidente naquele ano: Eduardo Gomes (UDN) e Cristiano Machado (PSD).

Só que a festa preparada no Maracanã, maior estádio do mundo na época e construído especialmente para o mundial, virou decepção.

Em campo, o Uruguai venceu o Brasil por 2 a 1 e conquistou o título. Menos de três meses depois, nem Gomes nem Machado se elegeram.

Getúlio Vargas (PTB) obteve o melhor desempenho nas urnas e voltou ao poder ― apenas cinco anos após ter saído do cargo que havia ocupado entre 1930 e 1945.

Ao longo da história, muitos políticos procuraram se aproximar do futebol, apesar das incertezas sobre os resultados da iniciativa.

Professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (Ludens), Flávio de Campos diz que a importância da seleção brasileira para os líderes políticos foi crescendo à medida que a popularidade do esporte aumentava.


Durante a ditadura militar, o presidente Emílio Garrastazu Médici posa com a taça nas mãos no meio da delegação da seleção brasileira no Palácio do Planalto, em Brasília, depois do título na Copa do Mundo do México, em 1970
Crédito: Estadão Conteúdo

A seleção acabou se tornando um símbolo oficioso do Brasil. É normal que tenha tido uma disputa para se aproximar dela
Flávio de Campos, professor da USP

A lógica inversa também era normal: dirigentes de futebol passaram a procurar o poder. O professor Bernardo Buarque de Hollanda, da Escola de Ciências Sociais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-CPDOC), lembra do papel de João Havelange, que presidiu a Confederação Brasileira de Desportos por 17 anos, de 1958 a 1975.

“Havelange sempre foi um articulador entre a seleção e os poderes políticos. Esteve com Juscelino Kubitschek, com João Goulart e com os militares, a quem, inclusive, fez muitos elogios. Foi uma figura estratégica nessa aproximação do imaginário da seleção com o Brasil”, diz.

E 2022 é, novamente, ano de Copa do Mundo ― mas, depois de 92 anos, o principal torneio de futebol do planeta ocorrerá após a eleição presidencial brasileira.

Carros de presente para os campeões

A conquista de uma Copa obrigatoriamente fazia com que os jogadores se encontrassem com os presidentes da República. No caso do Brasil, seleção nacional que detém o maior número de mundiais, isso aconteceu cinco vezes.

Na primeira delas, em 1958, após vencerem a Copa na Suécia, os atletas foram ao então presidente, Juscelino Kubitschek, no palácio do Catete, no Rio de Janeiro.

Em seu discurso, JK considerou o triunfo em campo como a “afirmação de uma raça”.

Em 1962, com o bicampeonato, João Goulart, ocupando a Presidência, saudou os jogadores em Brasília com festa. As câmeras do Canal 100 registraram cenas da celebração.

O narrador descreveu que o “povo invadiu o palácio e ninguém pôde contê-lo em um delírio jamais visto”.

O tricampeonato veio em 1970, em plena ditadura militar e depois de o AI-5, o Ato Institucional nº 5, baixado em dezembro de 1968, ter suspendido direitos civis e políticos e intensificado a repressão, resultando em torturas e assassinatos de opositores do governo.


Da janela do avião, o então atacante Romário acena na chegada da seleção brasileira ao aeroporto de Brasília depois da conquista da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos. A delegação foi recebida pelo presidente Itamar Franco. Depois de abandonar o futebol, Romário entrou na política e é senador pelo Rio de Janeiro
Crédito: Estadão Conteúdo

Quem comandava o país naquele ano era o general Emílio Garrastazu Médici, que gostava de futebol. O interesse dele era tanto que teria pedido a convocação do atacante Dario, o Dadá Maravilha, então centroavante do Atlético Mineiro.

Treinador da seleção na época, João Saldanha respondeu que não escalava o ministério, e o presidente não escalaria o time.

Saldanha era ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro) e caiu antes da Copa. Seu substituto, Zagallo, optou em levar Dario para o torneio.

Logo após a conquista, Médici usou politicamente a imagem da seleção, em declaração registrada pelo jornal Folha de S.Paulo.

Disse ser um “brasileiro comum” que identificava no sucesso do time os princípios para a luta “em favor do desenvolvimento nacional”, citando “unidade e convergência de esforços”.

As ideias de unidade e progresso eram exploradas pela ditadura e aparecem na música ufanista “Pra Frente, Brasil”, que se tornou o grande tema da equipe.

Na volta da seleção ao Brasil, Médici se encontrou com os jogadores em Brasília e levantou a taça Jules Rimet.

Outro político que tentou se aproveitar do tricampeonato foi o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf.

Além de se reunir com os atletas vencedores e homenageá-los, presenteou-os com 25 carros do modelo Fusca, utilizando dinheiro público.

Os veículos eram verdes e traziam, no para-brisa, um adesivo com o mote da ditadura militar: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Em 1974, Maluf foi condenado a devolver o dinheiro usado na compra dos carros aos cofres públicos, mas recorreu e acabou inocentado no final.

Atletas do tri: foco no campo

Anos depois desses episódios, o capitão do tricampeonato, Carlos Alberto Torres, comentou em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 1988, que os jogadores brasileiros da Copa de 1970 se preocupavam apenas em vencer o torneio ― e não em serem usados pelo regime militar como propaganda.

“A nossa preocupação era estar bem fisicamente, porque tecnicamente nós sabíamos que, se bem preparados para jogar na altitude mexicana, nós ganharíamos a Copa do Mundo. Sem pensar em ditadura. O que interessava para nós era a nossa carreira, o orgulho profissional em ganhar uma Copa do Mundo”, disse o ex-jogador.

Na época da entrevista, Torres pretendia se lançar candidato a vereador pelo PDT no Rio de Janeiro — ele ocuparia o cargo entre 1989 e 1993.

Outro campeão de 1970, Tostão escreveu numa coluna para a Folha de S.Paulo, em 2014, que os jogadores não sabiam dos crimes da ditadura.

“Eles [atletas] e a população desconheciam também as atrocidades que ocorriam no país. Isso tem sido revelado com o tempo. Eu me informava com meus irmãos mais velhos, politizados e, como eu, contrários à ditadura”, afirmou.


O presidente João Goulart abraça Pelé durante a homenagem à seleção brasileira que faturou o bicampeonato mundial em 1962, no Chile
Crédito: Estadão Conteúdo

Resultado das Copas x resultado nas urnas

Por nove vezes as Copas do Mundo e as eleições para presidente do Brasil foram disputadas no mesmo ano.

Dessas, somente a de 1930, na primeira edição do torneio, contou com a votação antes dos jogos.

Em 1950, o pleito vencido por Vargas ocorreu apenas 79 dias depois da derrota para o Uruguai, conhecida como “Maracanazo”.

Desde 1994, a competição esportiva e a disputa eleitoral caem sempre nos mesmos anos. A Copa costuma ser disputada nos meses de junho e julho, e as eleições ocorrem em outubro.

As informações são da CNN.

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