Especialistas veem com cautela dados que indicam recuo da pandemia no Brasil

Vacina Covid Brasil

Frasco ilustrativo de vacina contra covid-19; Ministério da Saúde não divulgou a data de início da vacinação. A Anvisa analisa documentos (foto: divulgação)

Levantamento do Observatório Covid-19, divulgado nesta quarta-feira pela Fiocruz, aponta uma melhora no cenário da pandemia no Brasil. Pela primeira vez desde novembro de 2020, nenhum estado apresenta taxa de ocupação de leitos de UTI Covid-19 no SUS superior a 90%.

Os dados são da mais recente semana epidemiológica, de 4 a 10 de julho. Esta é a terceira semana seguida com queda de indicadores de incidência e mortalidade por Covid-19 na análise feita pela fundação.

O número de casos e mortes vem caindo há três semanas em um ritmo de 2% ao dia, mas, alerta a Fiocruz, ainda permanece em alto patamar. A taxa de letalidade segue em torno de 3%, percentual considerado também elevado.

De acordo com os pesquisadores da Fiocruz, a diminuição na incidência de novos casos e de mortes, assim como a ocupação de leitos, pode indicar um processo de arrefecimento da pandemia.

O levantamento se junta a outros indicadores de melhora. Nesta quarta-feira, a média móvel de mortes por Covid-19 foi a mais baixa desde março, de acordo com os dados do consórcio de veículos de imprensa, formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo. Em uma redução de 19% em comparação com o cálculo de duas semanas atrás, a média móvel foi de 1.270 óbitos.

Na última terça-feira, o Imperial College informou que a taxa de transmissão do vírus (Rt) é a menor desde novembro de 2020. Ela caiu para 0,88. No relatório da semana anterior, o número era de 0,91. O índice atual indica que cada cem pessoas contaminadas transmitem a doença para outras 88 pessoas. Quando fica abaixo de 1, a taxa de contágio indica tendência de estabilização.

A grande responsável pelas boas notícias é a vacinação, como atesta a diminuição nas internações e mortes, apontada pelo levantamento da Fiocruz, justo nos grupos prioritários, como idosos e pessoas com comorbidades. Ao mesmo tempo, a transmissão permanece intensa entres aqueles que não foram imunizados.

Ocupação de leitos
Tendências de queda no indicador de ocupação de leitos foram observadas em todos os estados do Nordeste, Sudeste e Sul e também no Mato Grosso do Sul. Apenas quatro estados da Região Norte (Rondônia, Amazonas, Pará e Tocantins) e Goiás apresentaram pequenos crescimentos em relação ao boletim da semana anterior.

A última vez que a pesquisadora da Fiocruz Margareth Portela viu todos os estados com ocupação de leitos de UTI Covid abaixo de 90% foi em 23 de novembro de 2020. Agora, a responsável pelo levantamento celebra a melhora no cenário.

— Me sinto muito esperançosa com esses dados. Acompanhei cada semana quando o quadro estava pior, e agora a cada semana temos um quadro melhor. Isso traz alento, mas também apreensões, porque temos um vírus circulando ativamente — diz Portela.

Ela reforça que a redução da pressão por internações nos hospitais também é uma oportunidade para retomar o atendimento ambulatorial e hospitalar de demandas que ficaram represadas.

A apreensão é compartilhada por outros especialistas. José Paulo Guedes Pinto, professor da Universidade Federal do ABC e coordenador do grupo de pesquisa Ação Covid-19, considera que, embora haja uma melhora real nos indicadores, o Brasil ainda registra o maior número diário de mortes do mundo, e seguimos em um patamar muito mais elevado do que nos picos da pandemia no ano passado:

— A vacina diminui o número de óbitos, mas o de casos tende a aumentar. Até a situação estar mais regularizada, com vacinas melhores e mais gente vacinada, é preciso cautela no abandono das medidas de isolamento. Se o relaxamento for radical podemos voltar a ter surtos e isso pode sustentar a média móvel de mortes mesmo com a vacinação.

Para o epidemiologista Pedro Hallal, coordenador do Epicovid — principal estudo sobre a contaminação do novo coronavírus no Brasil —, “a pandemia está desacelerando, mas não é um número confortável”. Segundo ele, os próximos meses não devem servir para abertura total, mas para testar a transmissão.

— É momento para fazer testes, mas não para implementar políticas definitivas. O futebol, por exemplo: podem ser feitos jogos-teste com 10% do público testado, depois 20% de público exigindo vacinação ou testagem. Mas não é liberar tudo. É hora de testar e acertar os rumos para, no primeiro semestre do ano que vem, voltar à vida normal.

“Ainda não saímos da tempestade”, afirma cientista
Apesar do otimismo, Hallal mantém “o pé atrás” em razão da variante Delta. Por isso, tem acompanhado o desenrolar da pandemia na Europa, onde a variante está se disseminando. O que acontecer lá, pode acontecer pior aqui, já que temos menos de 20% da população completamente vacinada.

É também em razão da Delta que o médico e neurocientista Miguel Nicolelis diz não se render ao otimismo. Ele cita os últimos números no exterior, como o crescimento de 10% nos casos nos EUA ou os 40 mil casos diários no Reino Unido, apesar de ter 52% da população completamente vacinada.

— Estamos vendo uma competição da variante Gama com a Delta enquanto avança a vacinação. A interação desses três fatores é que vai definir o que vai acontecer nas próximas semanas, considerando que agora estamos com isolamento social quase nulo. Essa dinâmica vai definir a terceira onda — afirma Nicolelis.

O cientista alerta que, quando há infecções ocorrendo de forma desenfreada, podem surgir novas variantes. Além disso, ainda que não provoquem mortes, são mais casos de Covid crônica prejudicando a saúde de milhares de pessoas.

— Houve uma queda indiscutível, mas ainda não saímos da tempestade. Eu entendo o desespero por boas notícias, mas continuo achando que é uma guerra, e numa guerra temos que ser objetivos na análise do inimigo.

As informações são de O Globo.

Sair da versão mobile