“Ele não contava que teria que passar pelo raio X”, diz promotor sobre sargento da aeronáutica condenado por tráfico de drogas

Ele não contava que ia dar problema na imigração e teria que passar pelo raio x. Isso foi o que deu errado na empreitada criminosa — afirmou o promotor do Ministério Público Militar Ednilson Pires sobre a atuação do sargento da Força Aérea Brasileira Manoel da Silva Rodrigues, condenado ontem a 14 anos de prisão por ter transportado 37 quilos de pasta-base de cocaína em viagem em avião que dava apoio a uma comitiva do presidente Jair Bolsonaro ao Japão, em 2019.

Com a declaração, o promotor contestou uma das alegações do militar de que teria recebido a droga em solo espanhol. Preso ao desembarcar na Espanha, Rodrigues foi condenado a seis anos de prisão e € 2 milhões de multa no país europeu.

Desde que o sargento foi interceptado no aeroporto da cidade de Andaluzia, tentando passar com a droga, um esquema de tráfico internacional começou a ser desvendado.

O promotor Ednilson Pires acusou Rodrigues de cometer um “fato gravíssimo”, que “transcende a área do nosso país e atinge outra nação” e fere a moral da Aeronáutica. Ednilson também destacou a audácia do militar ao transportar a droga em um avião oficial.

O militar acompanhou a sessão em Brasília por meio de videoconferência, a partir de Sevilha. O advogado de Rodrigues, Thiago Seixas, argumentou que ele deveria ser julgado com base no Código Penal Militar, que preveria uma pena mais baixa, de 1 a 5 anos, do que a prevista na Lei de Drogas, de 5 a 15 anos. A tese do advogado não foi aceita.

O juiz que presidiu a sessão, Frederico Magno de Melo Veras, considerou que houve tráfico internacional que deveria ser julgado pela Justiça Militar, porque a droga foi transportada em um avião da FAB e por um militar em serviço.

O Conselho de Justiça aceitou, no entanto, o pedido de Seixas para que o tempo de reclusão cumprido na Espanha seja descontado quando ele for transferido ao Brasil. Além de Veras, o conselho foi formado por um coronel e três capitães da Aeronáutica.

Em silêncio

Rodrigues permaneceu em silêncio durante a sessão, que durou três horas. O julgamento foi acelerado por causa do fuso horário da Espanha, que está quatro horas à frente do Brasil.

A condenação foi decidida por unanimidade pelos cinco integrantes do Conselho da Justiça. O advogado do sargento anunciou que vai recorrer da sentença assim que tiver acesso à publicação da decisão, que deve ocorrer em oito dias.

— Há uma jurisprudência consolidada de que não se aplica a Lei Antidrogas na Justiça Militar — argumentou Seixas.

Rodrigues chegou a alegar que não teria levado a cocaína no avião, mas a recebeu apenas quando estava em solo espanhol, à Justiça Militar. O juiz Veras considerou a tese inverossímil:

— Entendo que a materialidade e autoria estão comprovadas.

À Justiça espanhola, Rodrigues confessou o crime, explicou que estava passando por dificuldades e se disse “arrependido”. A confissão ajudou o militar da FAB a receber uma condenação menor do que a inicialmente defendida pelo Ministério Público espanhol, de oito anos.

Rodrigues foi detido em junho de 2019, flagrado pelo raios x do aeroporto de Sevilha, e condenado em fevereiro do ano seguinte. O avião em que o sargento viajava iria fazer o apoio para a comitiva do presidente na viagem para uma reunião do G20. A carga de drogas que levava foi avaliada em R$ 6,4 milhões.

Na confissão que fez na Espanha, o sargento contou que costumava transportar produtos comprados no exterior para revendê-los no Brasil e complementar o salário.

Na viagem em que foi pego, no entanto, ele decidiu fazer o contrário ao servir de “mula” para levar a cocaína da América do Sul à Europa, segundo o relato que fez às autoridades espanholas. De acordo com o militar, o carregamento deveria ser entregue num centro comercial de Sevilha.

Quinta coluna

Além do mal-estar que provocou na Aeronáutica, a prisão do sargento na Espanha levou a Polícia Federal a iniciar no Brasil a operação Quinta Coluna, para apurar a existência de um esquema de tráfico internacional que cooptava militares da FAB para transportar drogas até a Europa.

As investigações levaram à prisão preventiva de mais três militares, de um empresário e da mulher do sargento, nas cinco fases em que a Quinta Coluna realizou o cumprimento de mandados judiciais para chegar aos outros envolvidos no esquema e descobrir como era feita a lavagem do dinheiro obtido com a venda das drogas.

O tenente-coronel Alexandre Augusto Piovesan, o sargento Márcio Gonçalves de Almeida, o sargento Jorge Luis da Cruz Silva e Wikelaine Nonato Rodrigues, mulher de Rodrigues, foram presos em março do ano passado, durante a segunda etapa da operação.

A PF rastreou 39 viagens que o sargento da Aeronáutica fez do Brasil ao exterior desde 2011. Em três desses voos da Força Aérea, os investigadores suspeitam que ela pode ter transportado drogas. A entrega da mercadoria no Brasil seria feita em um motel em Brasília, onde Rodrigues costumava se hospedar antes de realizar as viagens oficiais.

Um dos alvos principais da Quinta Coluna foi o empresário Marcos Daniel Gama, conhecido como “Chico Bomba”, que foi preso preventivamente em uma mansão no Lago Sul, em Brasília, acusado de ameaçar testemunhas do caso. Gama é apontado pela PF como um dos “líderes e financiadores do esquema”, e seria o dono de parte da mercadoria ilícita.

Preso e solto

Preso em outubro do ano passado, Chico Bomba foi solto no mesmo mês por decisão da Justiça Federal. A juíza Pollyanna Kelly, da 12ª Vara Federal do Distrito Federal, considerou que o tempo em que ele ficou detido tinha sido o suficiente para a polícia recolher provas e colher depoimentos de testemunhas que teriam sido ameaçadas, além de dar tempo para que a PF tomasse medidas que as protegessem.

No Distrito Federal, Gama é sócio de duas empresas, uma academia e uma incorporadora, com capital social de R$ 200 mil, na Asa Sul e na Asa Norte de Brasília. O empresário também figura como sócio da empresa PCL Serviços Administrativos, em Florianópolis, onde a PF também fez buscas, cuja atividade é descrita como “apoio administrativo”, segundo a Receita Federal.

Apesar da condenação em dois países diferentes, Rodrigues permanece como militar da ativa, recebendo normalmente os seus honorários pelo cargo. De acordo com o Estatuto dos Militares, ele só pode ser expulso se a condenação transitar em julgado, sem possibilidade de recursos.

As informações são do Yahoo.

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