‘É chocante a hostilidade à presença feminina nas plataformas da Petrobras’, diz vítima de assédio

Relatos de assédio e importunação sexual sofridas por funcionárias da Petrobras foram compartilhados em um grupo no WhatsApp, como informou o colunista Ancelmo Gois no último sábado. Elas denunciavam práticas como dormir com a cadeira na porta, quando estavam nas plataformas, para se proteger do assédio masculino.

Elas contaram que as denúncias, quando eram feitas na Ouvidoria da empresa, eram resolvidas com a troca de setor do assediador ou da vítima. Depois da divulgação dos relatos na imprensa, a Petrobras resolveu montar um grupo de trabalho. E informou que vai revisar o tratamento dado às denúncias.

Há 16 anos na Petrobras, a técnica em segurança do trabalho Bárbara Bezerra, de 43 anos, desde 2016 trabalha embarcada em plataformas na Bacia de Campos, em Macaé. Ela não faz parte do grupo de WhatsApp que compartilhava relatos de assédio, mas viveu situações semelhantes às relatadas pelas vítimas no grupo.

Atualmente diretora do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense diz que o ambiente nas plataformas é inóspito para as mulheres sem que a empresa aja para mudar isso.

Leia a seguir o depoimento dela ao GLOBO:

“Comecei a trabalhar em plataformas marítimas em 2016 e foi muito chocante perceber a hostilidade das pessoas com as mulheres nas embarcações. Nunca tinha visto um ambiente assim. Existe uma quantidade máxima de quartos femininos, que chamamos de camarotes. Muitas vezes, só tem um camarote feminino com quatro vagas, o que já limita a quantidade de mulheres embarcadas.

Já fui desembarcada de uma plataforma porque disseram que uma outra mulher, da mesma função, chegaria. Então, “não tinha porque ter duas mulheres”, quando na verdade a embarcação precisava de três técnicos em segurança. O gerente usou o argumento da falta de quartos. Tinha camarote fechado, sem ninguém, e não existe diferença entre o camarote feminino e o masculino.

A gente também não tem fardamento adequado. Já trabalhei com bota 42 e calço 37. Nada é adaptado para a mulher, e a presença feminina incomoda. Uma vez fiquei numa plataforma com 11 mulheres e começou um burburinho de que tinha “muita mulher”, mas éramos só 6% do quadro.

Eu achava que tirava de letra e me saía bem nessas situações, até que um cara ligou para mim se masturbando, de dentro da plataforma. Eu desliguei porque, pelo amor de Deus, era só o que me faltava. Ele ligou de novo, me perguntando se eu estava sozinha no camarote enquanto fazia uma voz sexy.

Percebi que eu estava sozinha e que estava sendo observada. Ele me viu chegando no camarote. Terminou o horário de almoço e falei com o gerente. Foi quando ele me perguntou: ‘mas você tá dando mole para alguém aqui?’

Fui lá porque queria que ele pedisse o rastreamento das ligações. Ele ficou de resolver. Comecei a insistir, e ele me dava respostas cada vez mais toscas. Até que um dia ele finalmente disse: ‘Bárbara, você sabe que se você continuar com isso, você vai f. a vida do peão’.

Eu comecei a me sentir observada. Via os olhares invasivos, comecei a sentir medo, ter ânsia e crise de choro. Todo mundo já sabia o que tinha acontecido. Não conseguia mais dormir, nem ficar sozinha nos camarotes. Tinha medo de me jogarem no mar, de me empurrarem na sala de máquinas.

Resolvi ligar para o meu gerente em terra que ficou indignado e me desembarcou. Na sede, disse que a situação era um absurdo e me pediu para fazer a denúncia na ouvidoria.

A ouvidoria perguntou se podia revelar meu nome e indicou que as ligações vieram de dois pontos da plataforma. Eles me disseram que rastrearam, mas que não dava para saber quem era porque não tinha câmera.

Em uma segunda resposta, disseram que o meu caso tinha sido resolvido, mas não dava para saber quem fez e não havia evidências de que algo realmente tivesse acontecido. Eles disseram que fizeram uma palestra na plataforma e que meu caso estava encerrado ‘com sucesso’.

O que eu passo de dificuldade é preciso triplicar para uma mulher terceirizada. Acompanhamos no sindicato o caso de uma mulher terceirizada. Um gerente a assediou, chegando a entrar no camarote. Ela trouxe a história para o sindicato. Logo depois, ela foi demitida. E o gerente? Caiu para cima. Foi promovido para uma gerência melhor em terra”.

 

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