‘Doença invisível’: RJ tem maior taxa de mortalidade infantil por sífilis no país

A cada mil crianças nascidas vivas, 62 mães estavam contaminadas e 26 crianças apresentavam sífilis congênita, em 2021

O Estado do Rio de Janeiro tem a maior mortalidade infantil por sífilis no país e a maior taxa de sífilis congênita, transmitida da mãe para o bebê. Apesar de conhecida, a doença é considerada antiga, ultrapassada e, aos poucos, se torna invisível aos olhos da população. Enquanto isso, autoridades alertam que a contaminação aumenta e fica cada vez mais difícil combater algo que, para muitos, parece não existir mais.

Os dados são do boletim mais recente oferecido pelo Ministério da Saúde, que analisa informações da doença de 2021 a junho de 2022. Segundo o relatório, levando-se em consideração o cenário nacional em 2021, 45 crianças menores de um ano morreram vítimas da infecção no Estado do Rio, o que equivale a 27,4% dos óbitos de bebês pela doença no país.

Apesar de apresentar a melhor taxa de detecção da doença em gestantes no Brasil, o Rio de Janeiro não tem conseguido solucionar o aumento dos casos de sífilis congênita, evitando que filhos sejam contaminados pelas mães na hora do parto.

Para que isso aconteça, é necessário que as grávidas realizem a bateria de exames no pré-natal, sejam diagnosticadas com antecedência e sigam, com rigor, o tratamento. Havendo cura, não existem riscos para o bebê, contanto que não haja reinfecção da mãe.

Segundo a Secretaria estadual de Saúde, o cenário é grave e vem piorando. De acordo com Juliana Rebello, gerente da área técnica de IST/AIDS da SES, a invisibilidade da doença é um dos fatores mais alarmantes em relação ao aumento dos casos.

— A expectativa era de que, após a detecção, a doença fosse de fácil manejo, mas esse não é o cenário real. Por ser antiga, as pessoas não acreditam que ainda é possível pegar sífilis nos dias atuais. É uma doença invisível para a população, por isso, precisamos falar sobre ela — afirmou a especialista.

Gestantes e filhos infectados

Segundo o relatório do Ministério da Saúde, o Estado do Rio apresentou a maior relação entre casos de mães e filhos, no país em 2021. A cada mil crianças nascidas vivas, 62,6 gestantes estavam infectadas e 26 bebês apresentaram quadro de sífilis congênita. No total, foram 12.456 diagnósticos em mulheres grávidas e 5.186 filhos contaminados.

Até junho de 2022, o cenário foi um pouco mais favorável. Foram 1.621 casos em crianças menores de um ano e 4.675 gestantes infectadas. O Ministério ainda não disponibilizou os dados completos referentes ao ano passado.

Na capital, ao longo dos últimos anos, o número casos de sífilis adquirida, transmitida por relações sexuais, também apresentam aumento. De 2020 a 2022, o município registrou, respectivamente, 8.624, 11.410 e 12.673 novos casos. Neste ano, foram 654 diagnósticos, apenas nos meses de janeiro e fevereiro. Em relação à sífilis congênita, o Rio é a quarta capital com maior incidência de casos, ficando atrás apenas de Porto Alegre, Recife e Natal.

A doença na atualidade

A sífilis é uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST) curável, causada pela bactéria Treponema pallidum. Ela pode apresentar quatro estágios de evolução, com diferentes sintomas, desde lesões na genitália e na pele, em casos mais leves, a alterações severas no sistema neurológico e cognitivo, em pacientes mais graves.

Além disso, existem os casos de sífilis latente, que não apresentam sintomas. Essa é a versão da doença que mais preocupa os médicos e especialistas, já que não é detectável no primeiro momento, sendo necessária a realização de testes.

Segundo Renato Cony, subsecretário de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde, os casos de sífilis latente em gestantes são os mais preocupantes.

— Por conta da possível falta de sintomas, as unidades de saúde do município realizam testes em todas as gestantes, no início e no fim da gravidez. A intenção é evitar que a sífilis passe despercebida e contamine o bebê — afirmou o subsecretário.

De acordo com o especialista, o aumento do número de casos no município e no estado é reflexo da falta de uso de preservativos, que vêm sendo abandonados devido ao surgimento de tratamentos preventivos para o HIV, que, segundo ele, é a IST que causa maior alerta na população.

— Com as novas soluções, as pessoas perdem o medo e passam a se proteger menos. Nesse cenário, que vem assolando não só o Rio e o Brasil, mas o mundo, as infecções sexualmente transmissíveis se espalham — alegou Renato Cury.

Mesmo com a insistência e bons resultados em relação à detecção da doença, o subsecretário afirma que a maior dificuldade encontrada pelo município durante o tratamento é a conscientização dos pacientes, para que eles retornem após a primeira dose do medicamento, nos casos em que são necessárias outras aplicações. A reinfecção de pacientes que já estavam curados, segundo ele, também é um ponto de alerta, especialmente no caso de mulheres grávidas, que podem vir a contaminar a criança no fim da gestação.

A sífilis congênita e os riscos para o bebê

Na infância, a sífilis apresenta consequências severas. Quando contaminados, os bebês tendem a apresentar má formação dentária e óssea, além de distúrbios fisiológicos e cognitivos, atrapalhando a nutrição e imunidade da criança. Essa condição a torna refém de ações diretas da doença ou de novas infecções oportunistas, que são as causas mais comuns de morte nos casos de sífilis congênita.

Além dos possíveis sintomas, caso a doença não seja diagnosticada com antecedência e tratada da forma correta ao longo da gestação, podem ocorrer abortos espontâneos ou a morte do feto, ainda dentro da barriga.

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico é feito por meio de teste rápido, disponível em todas as unidades de saúde do município do Rio. Caso o resultado seja positivo, é iniciado ao tratamento, que varia de acordo com o estágio de evolução da doença. A solução varia entre um a quatro doses da penicilina benzatina, mais conhecida como Benzetacil, antibiótico utilizado especialmente para o tratamento de ISTs.

Para que o paciente fique livre da doença, também é necessário realizar o tratamento do parceiro sexual. No caso de gestantes, caso a grávida seja tratada e o parceiro não, poderá ocorrer a reinfecção e, consequentemente, o bebê pode ser colocado em risco novamente.

Em 2022, o Ministério da Saúde determinou prioridade na utilização da penicilina para tratamento das infecções. A partir do comunicado, emitido em maio, foi solicitado que as secretarias de saúde do país oferecessem o medicamento apenas para casos de sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis. A medida veio a fim de evitar a falta de tratamento, em casos de crise de distribuição da substância, como ocorreu mundialmente de 2014 a 2016, quando houve escassez de matéria-prima.

As informações são do Jornal O GLOBO.

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