Deputadas tentam conciliar maternidade e política e cobram acolhimento do Congresso

Até a década de 1990, parlamentares não podiam recorrer à licença-maternidade; candidaturas femininas para a Câmara aumentaram 31,7% neste ano em relação às eleições de 2018

Uma criança dificilmente é vista pelos corredores do Congresso, ainda que ali seja um espaço onde cada vez mais cresce o número de mães que tentam conciliar a maternidade com a carreira política.

Apenas na atual legislatura, cinco deputadas tiveram filhos: Áurea Carolina (PSOL-MG), Renata Abreu (Podemos-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Greyce Elias (Avante-MG) e Sâmia Bomfim (PSOL- SP). Com exceção da primeira, todas concorrem à reeleição neste ano.

Com um número recorde de 9.678 mulheres candidatas em 2022, a quantidade de mães no Congresso para o próximo mandato pode se manter alta. Desse total, 3.644 concorrem a uma vaga na Câmara, e 54, no Senado, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2018, foram 2.767 candidatas ao cargo de deputada federal, e 63, ao de senadora.

Quem já precisou cuidar dos filhos em meio aos gabinetes reclama da falta de estrutura para as mães no local. “As pessoas ficavam admiradas quando eu levava o meu bebê para o plenário”, lembra a ex-deputada Bruniele Gomes. Atualmente filiada ao PL-MG, Brunny, como é conhecida, foi eleita pelo PTC para o mandato de 2015 a 2018 e não concorre a nenhum cargo político em 2022.

Ela se tornou mãe em seu último ano como parlamentar. Quando decidiu engravidar, pensou que a dupla jornada seria relativamente tranquila. Ao retornar da licença-maternidade de seis meses, no entanto, viu que estava enganada.

Brunny passou a tentar conciliar o horário da amamentação com a nova rotina. Sua única alternativa era levar o filho Heitor para o plenário, espaço onde os parlamentares costumam se aglomerar. Quando o burburinho se formava, ia para o gabinete com o bebê para protegê-lo.

Era lá que trocava a fralda do filho em cima da mesa onde trabalhava, armava um bercinho móvel para as horas das sonecas da criança e amamentava, sempre acompanhada de uma babá. A deputada despachava com Heitor ao lado.

A rede de apoio: até três babás

Sem um horário fixo de trabalho, Brunny precisou de uma ampla rede de apoio: tinha duas babás, com uma troca de turno entre elas. Às vezes, contava com uma terceira, para os dias de votações que iam até mais tarde. “Precisava de ajuda até de madrugada”, recorda-se.

Mesmo com a ajuda de profissionais, ela teve que se desdobrar para cumprir a agenda política. E cita como dificuldade o fato de o gabinete ficar longe dos locais das votações.

Muitas vezes, correu o risco de perder a sessão, já que algumas eram muito rápidas e ela precisava de um tempo considerável até terminar de amamentar, sair correndo pelo corredor e chegar para votar.

A rotina, segundo ela, teve impacto na amamentação. Como não podia estar sempre disponível para o bebê, precisou tirar leite e colocar em uma mamadeira para participar de reuniões marcadas justamente nas horas em que teria de alimentá-lo.

“Era algo que me deixava bastante triste. Quando eu voltava, ele não queria pegar o peito. Ver que o bebê já não está querendo pegar o peito só porque fui numa reunião e ele teve que usar uma mamadeira dava um sentimento de culpa enorme”, diz ela, referindo-se à chamada “confusão de bicos”.

O termo é usado para explicar a dificuldade que algumas crianças têm de seguir o aleitamento materno após serem submetidas a algum tipo de bico artificial, como a mamadeira, o que pode causar um desmame precoce.

Estar com o filho no Congresso é tarefa bem complicada, resume Brunny. “Eu mesma não lembro de ter visto um fraldário ou um local para amamentar. Não há um espaço próprio para filhos”, afirma.

A Câmara dos Deputados disse à CNN, por meio de sua assessoria, que a Casa tem, atualmente, sete fraldários, sendo que dois estão fechados momentaneamente. O primeiro foi instalado em 2019, na atual legislatura. Também há espaço para troca de fraldas nas duas salas de amamentação na Câmara.

Mais uma sala está prevista para ser aberta em setembro deste ano. Segundo a assessoria, a primeira delas entrou em operação em 2017.

As instalações construídas fazem parte, segundo a Câmara, de um projeto batizado de Pró-Mãe, que também prevê jornada especial de 35 horas semanais para as servidoras lactantes até a criança completar dois anos.

A instituição reconhece, no entanto, que não dispõe de espaço físico destinado a creches ou uso similar.

A Câmara informou que fornece auxílio pré-escolar para serviços de berçário e maternal, mas apenas para dependentes legais dos servidores efetivos, em comissão e dos requisitados que recebem pagamento pela Casa. As deputadas não estão aptas a receber.

A CNN procurou a assessoria do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que informou que ele não iria se pronunciar. Também procurou as deputadas Geovania de Sá (PSDB-SC), e Rosangela Gomes (Republicanos-RJ), únicas mulheres na mesa diretora, mas não obteve resposta.

A falta de estrutura para receber crianças é uma queixa de décadas. “O ambiente institucional da política não incentiva mulheres a terem filhos. Não tem um espaço infantil perto nem auxílio creche para as parlamentares”, critica a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), candidata à reeleição.

“O próprio ambiente é gelado, o que também dificulta a presença de bebês”, acrescenta.

A primeira licença-maternidade

Em 1993, Jandira foi a primeira parlamentar brasileira a conseguir a licença-maternidade. Até então, as deputadas precisavam aceitar outras formas de licença, como o auxílio doença.

“Foi uma luta imensa antes da minha filha nascer. Eles primeiro me negaram um direito que já estava previsto na Constituição de 1988. Me ofereceram uma licença saúde. Recusei. Afinal, gravidez não era doença”, afirma.

A licença-maternidade existe desde 1943, com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), no governo Getúlio Vargas. Originalmente, era de 84 dias e ficava a cargo do empregador ― em 1973, passou a ser paga pela Previdência Social.

O direito foi ampliado para 120 dias com a Constituição de 1988, que garantiu ainda estabilidade às gestantes. Desde 2008, uma lei permite que empresas privadas e órgãos públicos ampliem a licença para seis meses, sem prejuízo do cargo e do salário integral.

Na época em que Jandira engravidou pela primeira vez, o argumento que ela diz ter ouvido foi que, em sua função de parlamentar, não existia vínculo empregatício – por isso a licença-maternidade lhe seria negada.

“Algo fora de qualquer sustentação legal, porque todos que contribuem com a Previdência têm direito à licença”, diz.

A deputada fez uma denúncia aberta e começou uma luta jurídica e política com o apoio do movimento das mulheres e de outros parlamentares.

Quando o pedido de licença de 120 dias foi aceito, acabou abrindo jurisprudência para outras gestantes nas Assembleias Legislativas estaduais e nas Câmaras Municipais espalhadas pelo país.

A licença-maternidade traz garantias e amparo material e emocional, segundo especialistas, mas a licença-paternidade limita-se a cinco dias, prorrogáveis por mais 15. A pesquisadora de gênero e feminismo Maíra Kubik, que tem doutorado em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre relações de poder na Câmara Federal, defende a ampliação da licença para os homens.

“O puerpério é um período dificílimo, assim como o primeiro ano do bebê. Em países europeus temos já esse avanço na percepção da importância da presença de outro membro da família aí”, diz.

Jandira concorda e acrescenta que também é necessário pensar na ampliação da licença-maternidade. “Hoje, seis meses é uma opção, mas deveria ser uma garantia”, defende.

Em 2019, a deputada Clarissa Garotinho (Pros-RJ), que tirou licença-maternidade na Câmara em 2016, apresentou a Proposta de Emenda Constitucional 158/2019 de ampliar a licença-maternidade das trabalhadoras para 180 dias e incluir na lei o direito para deputadas e senadoras (de 120 dias, prorrogáveis por mais 60). O texto ainda aguarda análise do Congresso.

Depois de usufruir do período de afastamento pós-parto, Jandira Feghali se viu diante de uma nova dificuldade: compatibilizar a carreira política com a nova função da maternidade.

“Quando você é mãe de primeira viagem, tudo é muito tenso sempre. Primeiro, ao deixar um bebê para trabalhar, a saudade é enorme”, diz.

A deputada conta que o pai de sua filha foi importante no processo de construção da maternidade (e da paternidade), dividindo as tarefas.

Até a primogênita completar um ano, Jandira seguiu amamentando, e a bebê sempre a acompanhou nos compromissos, inclusive em viagens, dormindo num bercinho de campanha de tecido. Segundo a deputada, a reação dos colegas de Câmara foi de acolhimento e ajuda.

Mas, na avaliação dela, a sociedade deixou de ser acolhedora com as mães, como naquela época, devido à radicalização política.

“Nos últimos anos, há uma agressividade maior. Com todo esse clima de polarização, as pessoas ameaçam nossos filhos, as famílias, as mulheres em particular. Amamentação em público parece até que virou crime, né? Na minha época, não era assim. Eu já amamentei dando entrevista para a TV”, diz.

Entre a carreira e os filhos

Um dos maiores desafios, segundo a deputada, era a culpa que ela carregava quando deixava a criança em casa com a babá ou na creche. “Demorou para passar a culpa. Sempre acompanhei tudo, mas a minha presença não era a mesma”, afirma.

Quando nasceu o segundo filho, o aperto da saudade foi ainda maior, porque o bebê e a filha ficaram morando no Rio de Janeiro, enquanto ela viajava a Brasília. Mais uma vez, foi necessária uma rede de apoio para a logística funcionar: babá, creche, escola e pai.

Foi justamente essa culpa e a vontade de estar mais presente nos primeiros anos do filho que fizeram com que a ex-deputada Brunny desistisse de tentar a reeleição em 2018 ― em 2014, ela havia sido eleita com 45.381 votos.

“Acho que essa foi uma das decisões mais difíceis que tomei. Mas eu optei por não seguir, porque eu queria ficar mais perto do meu filho em casa, e sabia que teria que abdicar de muitas horas com ele para fazer campanha”, conta.

“Eu fiz essa opção para poder me dedicar da forma que eu queria para a maternidade.”

Apesar das dificuldades que enfrentaram no exercício da política, Brunny e Jandira puderam recorrer às babás, creches ou mesmo optaram pela dedicação exclusiva à maternidade, realidade ainda distante de muitas mães brasileiras.

Estudo mais recente da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV) sobre o tema, elaborado com base no Índice de Necessidade de Creche (INC) de 2019, aponta que 75,6% das crianças brasileiras mais pobres estão fora das creches, mesmo estando entre as que mais precisam de atendimento.

Maíra Kubik lembra que não há creches públicas para todas as crianças no Brasil e que o acesso ao serviço é uma luta histórica.

“Esse deficit impacta especialmente as mulheres da classe trabalhadora, aquelas que não possuem meios para colocar seus filhos em instituições particulares ou arcar com salários de babás, o que dificulta o seu cotidiano. E, como raça constitui classe no Brasil, são majoritariamente mulheres negras. Elas acabam arrumando soluções informais, dentro da família, com vizinhas”, pontua a pesquisadora.

As mães “faltosas” e a mudança nas regras

Para Brunny, o Congresso precisa mudar para, de fato, acolher as mães.

“Na minha época, chegou a acontecer de marcarem uma ausência minha em uma votação por conta da licença-maternidade, como se eu fosse uma parlamentar que faltava. Eu perguntei ao chefe de gabinete se eles tinham ciência de que eu estava de licença, ele disse que sim, mas que esse protocolo era normal”, conta.

Só em 2021 a mesa diretora da Câmara dos Deputados publicou um ato que instituiu a sinalização de parlamentares ausentes da sessão por licença-maternidade ou licença-paternidade nos painéis de votações do Plenário e nas comissões.

As informações são da CNN.

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