Como o lazer das classes mais abastadas pode minar retorno às aulas de alunos periféricos

Students wearing masks to curb the spread of the new coronavirus arrive for class at a private school in Brasilia, Brazil, Monday, Sept. 21, 2020. Private schools, closed since the second half of March due to the COVID-19 pandemic, have reopened their doors. Returning to school is optional and online classes continue for students who choose to stay at home watching classes via remote education. (AP Photo/Eraldo Peres)

O retorno das aulas presenciais durante a pandemia do novo coronavírus é uma tema complexo e polêmico em todo o planeta. No Brasil, país continental que abriga diferentes cenários e contradições, a imensa desigualdade social serve como parâmetro no momento em que se analisa a questão.

Em entrevista ao Yahoo Notícias! A professora Denise***, que atua há mais de seis anos na rede municipal de Ubatuba, no litoral de São Paulo, conta porque boa parte dos professores resiste ao retorno presencial às salas de aula. Por lá, após pressão dos docentes, a volta foi adiada por uma semana e está marcada oficialmente para o próximo dia 8 de março.

“Escolas que atendem populações mais carentes como a que eu trabalho, na comunidade da Puruba, na Zona Norte, comportam alunos de dois quilombos diferentes e jovens de outras áreas da cidade. Esses adolescentes, de 14 ou 15 anos, já trabalham nas praias, onde o movimento de turistas está alto. Como realizar uma volta segura dessa forma?”, questiona a docente de 63 anos, que tem medo e não concorda com o retorno das atividades num momento de agravamento da pandemia no país.

Após recorde de mortes por Covid-19 em um único dia na última terça-feira (02), o governador João Doria (PSDB) deve anunciar medidas mais restritivas nesta quarta-feira (03). Ainda não há uma posição oficial sobre como essas novas medidas afetarão o retorno das aulas presenciais.

“Todo mundo está com medo. Aqui em Ubatuba, há o tempo todo pessoas vindo do interior e da capital para frequentar as praias. Muita gente alugou casas por meses para ficar enquanto trabalham no período de home office em seus empregos”, alerta a professora.

Entorno afeta comunidade escolar

Ao redor do mundo, especialistas têm alertado que as escolas, em si, não representam alto risco de contaminação da Covid-19, se observados os protocolos sanitários como uso de máscaras, distanciamento, salas com ampla ventilação, entre outras. Contudo, além de algumas escolas não possuírem essa infraestrutura no país, a falta de controle sanitário no restante da cidade também é decisivo para aumentar o perigo de um eventual retorno às salas de aulas.

“Não são todas as escolas que têm condições [de respeitar os protocolos de maneira adequada]. Há um problema sério também de transporte. Boa parte dos meus alunos e dos profissionais que trabalham na escola precisa pegar ônibus com linhas que vêm recebendo grande afluxo de pessoas diariamente, já que a cidade vive um ritmo quase normal ao meu ver”, avalia a professora.

Outros países comprovam esse conflito entre ambiente urbano e entorno escolar. Durante seu segundo lockdown, a França manteve as escolas abertas com medidas de controle, mas o governo endureceu o isolamento para a população adulta. Assim, as infecções infantis voltaram a cair em Paris, mesmo com aulas presenciais acontecendo.

Portugal, que prepara uma flexibilização do seu lockdown no início deste mês, colocou como uma das condições para esse relaxamento a inclusão dos professores no grupo prioritário de vacinação contra a Covid-19, ação que protegeria a comunidade escolar de forma mais consistente.

Falta de diálogo e acolhimento

Assim como outros professores, Denise reclama que o retorno às salas de aula foi pouco debatido com os profissionais da educação do município, deixando-os sem qualquer opção sobre a questão.

“Diz-se que houve consulta com a comunidade. Existiram algumas reuniões, mas totalmente sem opção para os professores. Toda orientação dada para nós é no sentido de acolher o aluno. No entanto, para os profissionais da educação, não houve nenhum acolhimento. Há, ao meu ver, muito professor sem condições psicológicas de assumir alunos”.

A docente avalia que, após a troca de gestão na Prefeitura da cidade (Flávia Pascoal (PL) venceu e evitou a reeleição de Sato (PSD) para o cargo), não houve tempo hábil para se planejar um retorno seguro às escolas.

“Falta comunicação, demoram muito para emitir comunicado oficial aos profissionais. Ficamos sabendo tudo primeiro por whatsapp, tudo muito informal. A minha sensação é de que ninguém pensou em nada antes, não está existindo planejamento nenhum”, desabafa a professora.

Questionada sobre a falta de diálogo e os problemas de infraestrutura das escolas para cumprir os protocolos sanitários, a Secretária da Educação de São Paulo não respondeu até o fechamento desta matéria.

As informações são do Yahoo.

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