Com redes sociais, jingle eleitorais ganham novos usos, formatos e desafios autorais

Você pode não querer conversar sobre eleição ou não gostar muito de política. Mas escapar dos jingles em tempos de campanha é quase impossível.

“O jingle não passa pela cabeça, vai direto para o coração”, afirma Bruno Hoffmann, presidente do Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (Camp).

“Ele tem um efeito emocional com o candidato, ajuda a lembrar o número e o nome. É o que faz os apoiadores se conectarem com o político, cantarem em uníssono nas ruas.”

Um bom jingle tem papel essencial nas campanhas, mas fazê-lo não é tarefa fácil: é preciso entender o atual cenário político, os adversários, o próprio candidato e a população.

“Campanha política não é fábrica de pão. A função do jingle é dar o saborzinho, o tempero da campanha”, diz Marcelo Vitorino, professor de marketing político da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

E, por mais que exista uma receita, o segredo está na preparação.

Com quantos jingles se faz um candidato

Segundo Vitorino, para uma campanha de médio e grande porte, são necessários no mínimo três jingles: o primeiro para o começo de campanha (“com tom mais inspiracional, para lançar o candidato”), o segundo para o meio (“para chamar a atenção”) e o terceiro para às urnas (“para jogar os eleitores em clima de vitória”).

No caso de campanhas muito grandes, a conta não para por aí. São necessários outros três jingles: um para ser veiculado na TV (“mais longo e inspiracional”), outro para as ruas (“curto e mais chiclete”) e outro para as redes (“curto e bem-humorado”).

Mas tantas composições são mesmo necessárias? “Claro. Até porque usar o mesmo jingle cansa”, responde o profissional, que também atua como consultor de marketing político.

Os valores para fazer um jingle 100% original variam. A CNN fez um levantamento com profissionais da área para entender quanto custa uma peça começando do zero.

O primeiro passo é conseguir um compositor. Segundo especialistas, uma composição original não sai por menos de R$ 2.000.

O segundo é gravar a obra. Contando o aluguel do estúdio e a diária dos músicos, isto custa de R$ 3.000 a R$ 4.000. Também será necessário um cantor ― e lá se vão outros R$ 3.000, no mínimo.

Caso seja uma campanha maior, como a de governador ou de presidente, que necessite de um clipe, lá se vão mais R$ 15 mil, no mínimo, contando produção, edição e finalização.

Ou seja, é preciso desembolsar algum dinheiro para entrar na cabeça das pessoas.

O uso das paródias em campanhas

Para baratear os custos, muitos candidatos acabam recorrendo a hits já consagrados e a paródias. Mas o que pode ser bom para uns, não é, necessariamente, para outros.

Em 2014, ano em que foi reeleito, o deputado federal Tiririca (PL-SP) fez uma paródia da música “O Portão”, de Roberto e Erasmo Carlos. Roberto Carlos não gostou da versão e abriu um processo contra o parlamentar.

Tiririca foi condenado em primeira instância, mas a sentença foi anulada pela Terceira Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Como houve recurso, o caso ainda está em julgamento no tribunal.

O imbróglio se deve ao artigo 47 da Lei dos Direitos Autorais, que diz serem “livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”. Neste caso, elas são isentas de pagamento ao autor.

“Os candidatos costumam se valer dessa norma. No entanto, a questão é controversa. Há também o entendimento de que o uso da música em campanhas eleitorais, ainda que em paródia, teria uma finalidade comercial. Logo, isso implica na necessidade de autorização prévia do artista detentor do direito autoral”, diz Mariana Valverde, sócia do escritório Moreau Valverde Advogados.

Artistas têm se manifestado sobre o tema na internet. No começo de fevereiro, músicos como Zeca Pagodinho, Milton Nascimento, Gilberto Gil e Chico Buarque, além de Roberto e Erasmo Carlos, iniciaram em suas redes sociais o movimento “Paródias: NÃO na política”. Segundo os artistas, a campanha teve o apoio de outros 350 compositores.

“Associar uma canção a uma campanha política representa atrelar o compositor à pretensão eleitoral de um político que irá se apropriar da música para benefícios eleitoreiros próprios, ferindo os direitos individuais do criador e distorcendo o processo de escolha do eleitorado, que será ludibriado ao acreditar na associação do artista com o candidato”, diz um trecho do comunicado publicado no Instagram de Erasmo Carlos.

O ministro do STJ Raul Araújo pediu vista em fevereiro, e o julgamento precisou ser remarcado. Ainda não há data prevista para ser retomado.

A advogada Mariana Valverde orienta que artistas que tiveram suas músicas usadas sem autorização em campanhas políticas podem notificar os candidatos que estiverem parodiando suas músicas para que cessem o uso, mas esta não é a única saída.

“Também é possível ingressar com ação judicial para tal fim e para obter o ressarcimento devido pela utilização”, completa.

O jingle pré-moldado

Como nem todos os candidatos têm disposição para encarar a Justiça ou verba disponível para musicalizar seus ideais políticos, a saída pode ser comprar composições já feitas, seja em “bancos de jingles” na internet (cujo preço varia de R$ 300 a R$ 500) ou via agência de marketing digital.

A Agência NuFoco é uma das que oferece o serviço. Nas eleições passadas, ela criou o “Pack Campeão 2020”, conjunto de material político composto por identidade visual, imagens, vídeos, animações e, claro, jingles.

O único trabalho do candidato era incluir o próprio nome, legenda e partido. Além do material de campanha, um manual com estratégias de disparo de mensagens também era enviado. O pacote era vendido por R$ 150.

“A ideia foi deixar a campanha mais acessível para vereadores, que normalmente tem orçamento mais baixo”, explica Lucas Jamal, CEO da NuFoco. Segundo ele, o pacote foi vendido para 2.400 usuários, como assessores, agências e políticos.

Bruno Hoffmann defende essa nova forma de fazer marketing político. “É um movimento positivo porque há ― e sobra ― mercado. As novas gerações têm talento e capacidade tanto para fazer jingles quanto campanhas criativas. Outro ponto positivo é que eles já nasceram dentro de redes sociais”, diz.

Como as eleições de 2022 já estão ficando agitadas e ganhando contornos mais agressivos, em parte pela polarização política, o CEO da NuFoco recalculou a rota, e o “Pack Campeão 2022” ficou mais robusto.

“O orçamento da campanha de deputado é maior, então eles não precisam investir em material pré-moldado. Por isso, faremos uma espécie de curso mostrando como deixar a campanha mais presente nas redes digitais e também como diminuir custos”, afirma Jamal.

O material, que será lançado em maio, explicará como criar sites, fazer gestão de tráfego e captação de lide (banco de dados), além de administrar redes sociais. A previsão é que custe R$ 800.

“A ideia é deixar a campanha mais próxima do eleitorado e diminuir custos”, diz o CEO da empresa. “Dentre as novidades, haverá um módulo dedicado à plataforma TikTok”, acrescenta.

Não, a agência não fará coreografias para o aplicativo.

“Com um clique só é possível fazer download de arquivos no tamanho exato para enviar por Whatsapp. Vamos investir um módulo inteiro só sobre TikTok, não no intuito de fazer material para os usuários de lá, mas para facilitar a viralização”, comenta.

E, embora as plataformas prefiram vídeos comprimidos (em torno de 30 segundos), ao contrário do que se pode acreditar, o tempo das composições não foi afetado e não depende exclusivamente das redes sociais.

“Elas são apenas mais uma ferramenta. As campanhas não são totalmente voltadas para as redes sociais”, diz Hoffmann. Em eleições anteriores, alguns candidatos conseguiram uma quantidade significativa de visualização de vídeos com quase três minutos de duração.

No caso dos jingles usados em campanhas de rua, eles tradicionalmente são mais curtos, para que as pessoas possam cantar, diz o professor da ESPM.

As campanhas em ritmos regionais

Um exemplo de jingle pré-moldado que estourou nas eleições de 2020 foi “O Homem Disparou”, de César Araújo, Karkará e Vilões do Forró.

“A música não faz referência a nada, apenas a um homem que ‘estourou’. É genial”, diz Vitorino.

No entanto, há certas diferenças regionais que precisam ser levadas em consideração.

“O Brasil é muito diferente. Dependendo da região esse ritmo [piseiro] vai bem, como Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Mas quando desce para o Sul, a coisa muda: as marchinhas vão melhor em São Paulo, por exemplo. O paulista se vê muito como locomotiva do país”, analisa.

Mesmo assim, segundo ele, se fosse para fazer uma aposta, ele colocaria o forró como ritmo com “maior aceitação no país”, porque “tem mais embalo”. Os jingles, no entanto, não precisam estar conectados a apenas um estilo musical. No fim, o importante mesmo é fazer o eleitor cantar. E votar, claro.

As informações são da CNN.

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