Advogados relatam que desmerecer a vítima é comum em casos de estupro

Caso Mariana Ferrer

Advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho xingou a promoter Mariana Ferrer durante audiência Foto: Reprodução/Instagram/Facebook / BBC News Brasi

O processo criminal envolvendo o empresário André Camargo de Aranha e a promoter Mariana Ferrer, no qual ele foi acusado de estuprá-la, causou indignação nas redes sociais nessa terça-feira (03/11).

Segundo Ferrer, o estupro ocorreu em dezembro de 2018 durante uma festa em um clube de luxo em Florianópolis. Ela diz que havia bebido e que, posteriormente, foi dopada e estuprada por Aranha. Ele nega o crime. O empresário foi inocentado pela Justiça, a pedido do Ministério Público, órgão responsável pela acusação.

Um dos pontos que causaram indignação nas redes sociais foi a forma como Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado do empresário, tratou Mariana Ferrer durante uma audiência por videoconferência. O vídeo da reunião foi divulgado pelo site The Intercept Brasil.

Em determinado momento, o advogado mostra fotos de Mariana Ferrer, publicadas nas redes sociais antes do caso e que nada têm a ver com o processo. “Peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher como você. Teu showzinho você vai lá dar no teu Instagram, para ganhar mais seguidores. Você vive disso.”

“Tu trabalhava no café, perdeu emprego, está com aluguel atrasado sete meses, era uma desconhecida. É seu ganha-pão a desgraça dos outros”. Em outro ponto, Rosa Filho mostra outra imagem de Mariana Ferrer. “Essa foto extraída de um site de um fotógrafo, onde a única foto chupando o dedinho é essa aqui, e com posições ginecológicas.”

Em seguida, a promoter começa a chorar e pede respeito. “O que é isso? Nem acusado de assassinato é tratado como estou sendo tratada, pelo amor de Deus. Nunca cometi crime contra ninguém”, diz.

Para a Juliana Sá de Miranda, sócia do Machado Meyer Advogados, tratamentos como esse têm sido corriqueiros em casos de violência sexual em audiências pelo Brasil.

“Em geral, esse é o tipo de tratamento contra a vítima de estupro e assédio. Muitas vezes a vítima acaba virando a vilã, há uma desconstrução da imagem da vítima. Falam da roupa e do comportamento dela, dando a entender que ela consentiu. (Esse comportamento de advogados) é mais ou menos esperado”, diz Sá de Miranda.

Mariana Zopelar, advogada criminalista da banca Fenelon Costódio Advocacia, afirma que, em muitos casos, há uma tentativa de julgamento da vítima a partir de características que nada tem a ver com o processo. “Repudio esse tipo de excesso antiético. Muitas vezes, a tentativa é pegar um elemento exterior sobre quem é a vítima, o que ela fazia, para tentar mostrar que houve consentimento”, diz.

“Infelizmente é comum se desmerecer a vítima como tese de defesa em crimes sexuais”, afirma uma juíza de direito criminal do Estado de SP, que atua há quase 30 anos na área e foi ouvida pela BBC News Brasil. “É comum se tentar inverter o ônus da prova, mas ao nível que chegou esse caso eu nunca presenciei”, diz a juíza.

“É uma estratégia que existe infelizmente quando a vítima é vulnerável”, afirma o advogado criminalista, Yuri Carneiro Coelho, professor de direito penal e processo penal da Faculdade Nobre e UNEF. “Nesse caso foi filmado, mas isso às vezes ocorre sem ser filmado e acaba não tendo essa repercussão.”

No entanto, a professora de direito Maíra Zapater diz que não é correto afirmar que seja comum o uso dessa estratégia sem uma pesquisa sobre isso. “Eu não generalizaria sem uma pesquisa em mãos demonstrando esse dado. O advogados de defesa que são super sérios não merecem ser colocados nesse balaio”, afirma a criminalista.

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