Ações de apoio a candidaturas LGBTQIA+ miram Congresso mais diverso em 2023

Organizações pró-diversidade lançam plataforma de financiamento a programas de políticas públicas para tentar assegurar direitos

Organizações que defendem as pautas das pessoas LGBTQIA+ querem um Congresso Nacional mais diverso e plural em 2023 para assegurar os direitos dessa população no Brasil.

O pleito de outubro, segundo movimentos ouvidos pela CNN, será determinante para consolidar leis e o próprio movimento crescente de candidaturas dessa comunidade.

Por isso, eles planejam iniciativas para apoiar a regularização de títulos eleitorais, oferecer cursos a candidatos, financiar candidaturas, dialogar com partidos, apresentar propostas e monitorar a disseminação de fake news.

O objetivo é sustentar uma mobilização crescente. Nas eleições municipais de 2020, por exemplo, houve um aumento de 215% de candidaturas de pessoas trans, segundo mapeamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). O número saltou de 89 concorrentes nas eleições de 2016 para 281 nas disputas de 2018.

O impacto das mudanças eleitorais

Mas essa ascensão pode estar ameaçada por novas regras, como a da federação partidária (na qual dois ou mais partidos decidem atuar juntos por, no mínimo, quatro anos). As organizações temem que elas estrangulem a participação de LGBTQIA+ na corrida eleitoral.

Na prática, a formação de federações poderá reduzir as vagas de candidaturas disponíveis. E quem vai decidir sobre esse número limitado serão os dirigentes partidários, cujo perfil ainda é predominantemente masculino, branco, heterossexual, de classe média alta e não jovem.

Para Evorah Cardoso, coordenadora da #VoteLGBT — ONG suprapartidária que trabalha na promoção de candidaturas comprometidas com a defesa dos direitos LGBTQIA+ e de outras populações vulneráveis —, é preciso correr desde já contra a limitação de espaço.

“Os partidos precisam saber que queremos ter essas pré-candidaturas LGBTs e também de mulheres, de negros, de indígenas. Não queremos uma eleição feita só por homens, não jovens, brancos, empresários. Nosso papel, enquanto eleitores e sociedade civil, não pode ser só ir às urnas e votar. Temos de fazer mobilização para que nossos pré-candidatos se tornem candidatos, para que, aí sim, possamos votar neles”, disse.

Para ampliar a participação da comunidade nas eleições, a organização traçou uma estratégia. “Vamos lançar uma plataforma de financiamento para estimular eleitores a apoiar esses candidatos”, comenta Gui Mohallem, também coordenador da ONG.

Segundo ele, será realizado ainda um mutirão para ajudar pessoas que precisam regularizar o título eleitoral ― a iniciativa é voltada especialmente para pessoas não binárias e transexuais, que têm a questão do nome social.

Evorah Cardoso, da #VoteLGBT, lembra que os resultados das candidaturas têm sido muito expressivos, com a eleição de mulheres trans, travestis, negras e LGBTs, em muitos casos como as mais votadas em suas cidades.

“Mas isso não é fruto de uma mudança interna nos partidos políticos, e sim na sociedade, uma mudança de percepção da importância de representatividade e também de muita luta dos movimentos sociais”, disse.

Evorah Cardoso, coordenadora da #VoteLGBT / Divulgação

“Programa de governo” e curso para candidatos

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) elaborou um documento que, diferentemente das cartas propostas nos anos anteriores, se assemelha a um programa de governo, com diretrizes e compromissos aos candidatos.

“Acreditamos que é importante defender não apenas questões específicas da comunidade LGBT, como também outras que, para nós, são muito importantes, por serem questões transversais, como o direito à informação e a revogação da reforma trabalhista”, afirma a líder da ABGLT, Sammy Larrat.

A associação pretende lançar a plataforma ainda em maio, mês em que é celebrado o Dia Internacional Contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia.

Ainda de acordo com Sammy, que é travesti, houve retrocessos na implantação de políticas públicas nos últimos anos e, em contrapartida, alguns avanços nas conquistas de direitos do grupo, como a criminalização da homofobia e a restrição à doação de sangue por LGBTs.

“Estas conquistas aconteceram via Judiciário, por pressão nossa. A aplicação das decisões ainda tem sido muito morosa, e o governo tem tentado esvaziar as questões”, afirma.

Ela cita como exemplo a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) garantindo a retificação de nome social e de gênero. “O governo coloca empecilhos no uso do nome social para pessoas que não retificaram o nome. Com frequência, o que vemos é uma institucionalidade que tenta impedir o acesso aos nossos direitos. Por isso a gente precisa de compromisso para a execução dessas pautas.”

A reportagem procurou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e o STF, mas não obteve resposta.

Symmy Larrat, líder da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) / Divulgação

De olho nas candidaturas

A organização pluripartidária Aliança Nacional LGBTI+ lançou o programa VotoComOrgulho, em parceria com outras redes do país, visando acompanhar e monitorar a participação de candidaturas LGBTI.

“O objetivo é fazer uma discussão com todos os partidos para que as pessoas se conscientizem que somos parte da sociedade e merecemos respeito constitucional e leis que nos protejam contra a violência e a discriminação”, resume o diretor-presidente da organização, Toni Reis.

O programa está dividido em quatro pilares: levantamento de pré-candidaturas, curso de formação para candidatos, plataforma de compromissos pela cidadania e direitos LGBTI+ e monitoramento de discursos de ódio e fake news.

“No Legislativo, queremos a aprovação do estatuto das famílias, para que protejam todas as composições familiares, e do estatuto da diversidade. E assim positivar todas as ações que a gente conseguiu aprovar no STF. No Executivo, queremos o que chamamos de tripé da cidadania: um plano de enfrentamento à LGBTfobia, uma coordenação [para a execução dessa política] e um órgão fiscalizador [da execução]”, explica o diretor.

 

Diversidade além da sopa de letrinhas

O pesquisador de movimentos políticos Lucas Bulgarelli, mestre e doutorando em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP), aponta um avanço de forças contrárias à luta pelos direitos da comunidade LGBTI+ no Brasil e diz que esses movimentos constituem suas agendas justamente em torno do combate a esses direitos.

“Temos um conjunto de forças, em sua maioria formado por setores e grupos de direita, conservadores e religiosos. O que vemos na atuação desses setores é um combate moral aos direitos e valores de diversidade sexual e de gênero, mas também um investimento na agenda antiLGBT com finalidades eleitorais”, destaca.

Bulgarelli afirma acreditar que, apesar do histórico de inclusão da pauta LGBT no debate político, ainda há muita resistência em setores da sociedade que entendem que esses temas não devem ser tratados como direitos em prol da igualdade.

“É a ideia ventilada por grupos conservadores de que os direitos de LGBTs seriam ‘privilégios’”, resume.

Segundo ele, o debate ganharia força se a defesa do direito de LGBTs, de mulheres e de outros grupos minoritários não coubesse apenas aos LGBTs, às mulheres e aos negros, mas à sociedade como um todo.

“A democracia não pode ser o direito da maioria e supressão do direito da minoria”, disse.

O vereador Fernando Holiday (Novo-SP), que é pré-candidato a deputado federal, concorda que há uma ala da direita com uma agenda antiLGBT, mas argumenta que não se deve generalizar e englobar todos os integrantes da direita, por existirem diversas vertentes.

Toni Reis, diretor da Aliança Nacional LGBTI+ / Divulgação

“Eu sou negro, bissexual e de direita. Após eleito, apresentei uma série de projetos para garantir apoio aos LGBT, ainda que não seja minha pauta principal, como, por exemplo, uma proposta de atendimento psicológico especializado para jovens que não são aceitos em seus ciclos sociais devido à orientação sexual”, disse.

Segundo ele, boa parte da direita concorda com a “liberdade sexual das pessoas” e que elas “possam viver da forma como se sentem”. “Entretanto, isso não pode se confundir com as tentativas de implantar uma ideologia de gênero no currículo escolar e nas políticas públicas direcionadas às nossas crianças”, afirmou.

Para Holiday, a discussão sobre ideologias ou teorias sociais são saudáveis à democracia e ao ambiente acadêmico, mas não deveriam servir para o desenvolvimento de políticas públicas.

As barreiras contra a criminalização da homofobia

O reconhecimento da criminalização da homofobia ainda enfrenta barreiras. Um relatório lançado em 2021 pelo movimento All Out e pelo Instituto Matizes apontou 34 delas.

Entre elas estão a indisposição de instituições públicas para pautar a agenda de promoção de direitos LGBTI+, o não reconhecimento das políticas criminais como políticas de Estado e as disputas institucionais sobre a validade da decisão do STF.

Para a gerente de campanhas da All Out, Ana Andrade, a segurança pública ainda é um dos pontos de atenção da comunidade LGBT e deve pautar candidaturas de pessoas desse grupo.

“A criminalização da LGBTfobia foi aprovada em 2019, mas até hoje temos muitos obstáculos para a efetivação dessa decisão do STF”, pontua.

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