‘A Itapemirim quebrou quando meu avião taxiava na pista’

O empresário Sidnei Piva, dono da Itapemirim (Foto: Divulgação)

Sexta-feira, 17 de dezembro de 2022. São 17h10, e eu adentro o aeroporto internacional de Brasília meia hora antes do embarque. Era o começo da jornada de quatro horas que não me levaria a lugar algum.

Passo pelos detectores de metal com tranquilidade. E atravesso a loja de perfumes e artigos de luxo andando nem tão devagar que pareça provocação nem tão rápido que pareça covardia, como diria o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim.

Ao fim da área comercial, o totem avisa que o voo 5657 da Itapemirim sairá do portão 12. “Embarque próximo”, dizia o painel. Respiro, agora, com alívio.

Esta será segunda vez que visito minha família em São Paulo desde o início da pandemia. A primeira fora em abril, depois que meu pai tomou a segunda dose da CoronaVac e minha mãe, a primeira da AstraZeneca. Em 2020, com a média diária de quase mil mortes por covid no Brasil, o tradicional Natal dos Murakawa foi substituído por uma chamada de WhatsApp.

Ao chegar ao Portão 12, vejo que já há uma fila de passageiros aguardando com aquela ansiedade típica. Não demora muito, e começa o desembarque dos que vinham do Recife, no mesmo avião. Já deu a hora do meu voo, mas penso que atrasos são corriqueiros.

Até uma semana atrás, eu me sentia sortudo por haver comprado uma passagem de ida e volta para São Paulo pela bagatela de R$ 450. Isso foi em 1º de outubro. Mas, ao longo das últimas semanas, ouvi relatos de problemas com outros passageiros da companhia.

Imaginei que a minha cota de sacrifício nas trapalhadas da Itapemirim já havia sido dada. Isso porque quatro dias antes do embarque descobri, sem nenhum aviso, que ambos os meus voos haviam sido cancelados.

O site da empresa, que parece saído dos primórdios a internet brasileira nos anos 1990, não informava nada. Em uma ida ao aeroporto, na segunda, me realocaram em novos voos, mas com datas diferentes e escala no Galeão. Os que eu havia comprado, direto Brasília-São Paulo, haviam deixado de existir.

Por volta das 18h10, começa a surgir um burburinho entre passageiros. Dizem que a funcionária da Itapemirim teria comentado com alguém que comentou com outro alguém que nosso voo atrasaria em cerca de uma hora.

A fila se desmobiliza, e o painel no portão do embarque já anuncia um voo da Azul para Porto Alegre, se não me engano. Eu e a moça sentada ao meu lado andamos até o totem para verificar se nosso local de embarque havia mudado. Para espanto geral, as informações sobre o voo 5657 da Itapemirim desapareceram completamente.

A fome bate, e eu decido esperar no café em frente. Porém, quando ainda estou na fila, alguém ao microfone anuncia o nosso embarque no mesmíssimo portão 12. Os procedimentos começam pouco depois.

Às 18h40, uma hora após a previsão da decolagem, estamos todos devidamente instalados. Mas a aeronave não sai do chão. Uns 20 minutos depois, o comandante dá a primeira explicação ao microfone:

— Senhores passageiros, boa noite, aqui é o seu comandante. Informamos que a empresa que faz o carregamento do avião está em operação padrão, e isso está atrasando a nossa decolagem. Pedimos a compreensão de todos.

Alguns minutos depois, já em meio aos primeiros resmungos, o piloto volta ao microfone para dizer que “a gerente do aeroporto nos informa que nosso voo estará liberado dentro de aproximadamente meia hora”.

Ouve-se um sonoro e coletivo “aaaaaaaahhhh” vindo dos passageiros.

E, aos poucos, começam a surgir aqueles típicos ensaios de barraco.

Um senhor, acompanhado da mulher, fala alto:

— Tenho formatura do meu filho amanhã no Rio.

— Que absurdo isso! Vamos ficar trancados quanto tempo aqui no meio da pandemia? — comenta outro.

A comissária de bordo passa oferecendo água, no que o outro passageiro replica:

— Deviam oferecer uma janta também pra gente!

Um senhor vai à frente desabafar com os comissários. Uma mulher, num pronunciado sotaque carioca que salta aos meus ouvidos paulistas, reclama:

—Põe a máscara! Põe a máscara!

Ao que ele rebate:

— Não vou por máscara coisa nenhuma. É um desrespeito o que essa empresa faz. Não podem exigir nada da gente.

Olho ao redor e vejo que outros passageiros também haviam retirado suas máscaras, em protesto.

Pouco antes das 20h, a aeronave começa finalmente a se movimentar. Com o avião ainda em marcha a ré, as comissárias começam a dar as instruções. Tiro o fone de ouvido e escuto de uma delas que, em caso de pouso na água, devo utilizar o colete salva-vidas localizado embaixo do meu acento.

— Então, você deve vestir o colete pela cabeça e ajustar a trava de segurança_ explica a voz feminina ao microfone.

O avião, no entanto, para novamente. Primeiro, imagino que estamos em uma fila para a decolagem. A essa altura, amigos já haviam me enviado por WhatsApp a notícia de que a Itapemirim havia suspendido todas as suas operações aéreas no país. Depois de cerca de meia hora parados, sinto que poderia “dar ruim”.

Nova movimentação da aeronave, e penso que “agora vai”.

Mas, em vez da pista de decolagem, o avião chega a uma área isolada do aeroporto, que não consigo identificar. O piloto termina a manobra de estacionamento, e o motor se desliga antes do novo anúncio do comandante ao microfone:

-Senhores passageiros, informo que por determinação da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) este voo foi cancelado por conta do atraso. Pedimos desculpas.

Já são quase 21 horas, e o transporte até o terminal de desembarque é feito por ônibus. Ali, cabe aos funcionários do Aeroporto de Brasília receber as queixas e desabafos, mas sem poder nenhum para resolver nada.

Um deles, informa em qual esteira as malas serão devolvidas. E orienta os passageiros a procurar outras companhias para tentar realocação em algum voo.

— Não tem mais nenhum funcionário da Itapemirim no aeroporto. A empresa deixou de operar no Brasil. Não tem mais nada que eu possa fazer — diz o servidor.

Em um fio Twitter, relato que a sensação geral é de abandono, embora eu seja relativamente privilegiado.

“Eu moro em Brasília. Vou pedir uma pizza e dormir no quentinho. A mesma sorte não terão famílias e pessoas que viajavam para o Rio, SP e outras conexões, largadas literalmente ao relento. A orientação da Anac, em resumo, é: ‘se virem’.”

Vou para casa e, horas depois, a Anac me responde, também via rede social:

“Oi, Fabio! Estamos trabalhando em conjunto com todo o setor para diminuir o impacto aos passageiros da ITA neste momento. Estamos pactuando reacomodações em outras empresas e cobrando medidas imediatas da ITA.”

Espero que isso seja verdade. Meu pai, Francisco, gentilmente usou a milhagem do cartão de crédito para garantir minha ida. Mas ainda não sei o que fazer para assegurar a minha volta a Brasília, no dia 27 – nem como eventualmente reaver o dinheiro gasto com as passagens.

Este ano, apesar da pandemia e da falência da Itapemirim, vai ter Natal dos Murakawa, sim. Um Feliz Natal para todos!

*Do Valor

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